Foto: Pros/Divulgação
Pablo Marçal, o coach desastrado que escala montanhas, está acabando com a possibilidade de Tabata Amaral vir a ser a alternativa de centro à prefeitura de São Paulo na eleição de outubro.
Tabata tem apenas 30 anos, mas já construiu, subindo degrau por degrau, uma carreira respeitável. Podem não gostar dela por sua proximidade com milionários com interesses na educação e por ser liberal demais.
Mas não podem dizer que é uma oportunista. Pois Tabata está atrás de Pablo Marçal nas pesquisas à prefeitura de São Paulo. O nome dele entrou nas sondagens em maio e, dependendo do instituto, tem mais de 10% das preferências. Tabata teria ao redor de 8%.
Marçal tem 37 anos. Ficou famoso por causa de uma ideia desastrada. Levou 32 pessoas a um pico de São Paulo, na Serra da Mantiqueira, em janeiro de 2022, e o grupo teve de ser socorrido por bombeiros em meio a uma tempestade.
O sujeito apareceu no Jornal Nacional e virou celebridade por ter empurrado o grupo para uma aventura em que deveriam provar que se submetem a todo tipo de pressão e de risco.
Pois Pablo Marçal é hoje, segundo os institutos que verificam a audiência de celebridades, o pré-candidato a prefeito de São Paulo que provoca o maior engajamento nas redes sociais. Por ensinar as pessoas a superarem todo tipo de desafio.
Mesmo que sua fama tenha sido construída por uma ideia fracassada, Pablo Marçal conseguiu manter o que as pessoas pensam dele. Que é um exemplo de força, determinação e superação, sempre pensando em ganhar dinheiro. Mas é na verdade um cara que fracassou ao tentar transformar suas teorias de bravura em provas no mundo real.
Com ele, se alastra um fenômeno iniciado na era Bolsonaro, com conexões com a política e o empreendedorismo, e que tem hoje vários exemplos em todas as áreas. É o mundo da prosperidade dos fracassados.
Bolsonaro foi um fracasso como militar. Foi um deputado medíocre. Foi sempre um nome associado a erros graves e desatinos. Seria um perdedor clássico, mas chamou mais da metade do Brasil para uma aventura e se elegeu presidente.
Fracassou, com ações negacionistas deliberadas, no combate à pandemia. Fracassou como líder dos brasileiros em todas as áreas. Fracassou ao ser o primeiro presidente não reeleito. Fracassou como golpista e até como muambeiro.
Mas ainda se mantém como protagonista da política. Todos os que estiveram ao lado dele e fracassaram em funções públicas continuam prosperando. É o que acontece com Marçal, que pega carona na fórmula de sucesso dos fracassados, ao conseguir se apresentar como homem empreendedor e rico.
Marçal enriqueceu vendendo o discurso da prosperidade, com a mesma fórmula de enriquecimento dos pastores das igrejas de dízimos. A credulidade dos que têm fé ou estão em desesperança ou desatino enriquece essa gente.
O pré-candidato é coach e influenciador digital. Vende cursos de desenvolvimento pessoal, o que genericamente não significa nada. Mas pra ele significa. Como significam alguma coisa para seus seguidores as expressões que usa, como virtualização, empresarização e mudança de mentalidade.
Mudança de mentalidade, que serve para ele ou para Bolsonaro, pode explicar o que seria empresarização. Mas se não explicar, não tem problema.
Pablo Marçal é talvez o maior exemplo de empreendedor já produzido no Brasil por um embuste que mistura meritocracia com retórica antitudo e antissistema.
A Polícia Federal e o Ministério Público conhecem todas as picaretagens motivacionais dele, de lavagem de dinheiro à sonegação. Marçal tem mais de 20 empresas.
Se ficou rico vendendo suas ideias de superação, prova que para ele a coisa funciona. É nisso que seus milhões de seguidores acreditam. Que podem ser um Pablo Marçal.
Que podem até fracassar, como ele fracassou na que seria a sua grande aventura na Serra da Mantiqueira, e mesmo assim continuar fazendo sucesso e aumentando seu número de seguidores.
Porque tudo na vida dele é hipnose. Logo depois de uma busca e apreensão na sua casa, em julho do ano passado, por suspeita de desvio e lavagem de dinheiro na pré-campanha a presidente em 2022, o coach disse que os agentes da Polícia Federal estavam espantados com o cumprimento do mandado.
Ele contou: “Vários agentes olharam nos meus olhos e não acreditavam que estavam cumprindo mandato dentro da minha casa. (Eles diziam) Marçal, nos perdoe, a gente não sabe o que é isso aqui, a gente só tem que vir aqui e cumprir”.
Os seguidores de Pablo Marçal acreditam que agentes da PF, em missão para buscar provas contra alguém acusado de crimes graves, olhavam nos seus olhos, eram hipnotizados por tanto carisma e pediam desculpas por estarem ali. Não só pediam desculpas, mas olhavam nos olhos.
O coach é uma estrela porque acreditam no que ele diz. Acreditam que agentes federais olham nos seus olhos, porque o contato pessoal com o sujeito seria algo irresistível.
É assim que Marçal chega ao cume do mundo dos espertalhões e se submete a todo tipo de tempestades. E vai apresentando suas provas de que as coisas funcionam para ele como diz que devem funcionar.
Marçal chegou ao pico como explorador de crenças porque são milhões os que não estavam lá na Serra da Mantiqueira, mas ainda acreditam nele.
Está no cume de uma serra de embromação e enganação da extrema direita. Ficará ainda mais milionário enganando quem paga para ouvir sua conversa, como acontece com similares de algumas igrejas que vendem Deus e o diabo.
Os tempos que vivemos explicam seu sucesso. Pablo Marçal enriqueceu explorando as misérias humanas e tenta agora ser prefeito de São Paulo. Mas nesse caso não há bombeiros para todos.
Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe