OPINIÃO

A extrema direita se apoderou dos jovens?

Por Moisés Mendes / Publicado em 1 de julho de 2024

A extrema direita se apoderou dos jovens

Foto: Guarda Municipal/SP

Foto: Guarda Municipal/SP

Essa sequência de informações abaixo é de um apanhado de notícias dos últimos meses. Todas tratam de fenômenos em que os jovens são protagonistas. Quase todas acionam algum sinal de alarme. Leiam o que segue.

O ativismo moralista pelo fechamento de áreas de nudismo, que se dissemina por vários países da Europa, é liderado por jovens. A extrema direita francesa avançou nas eleições parlamentares com o suporte de eleitores de até 30 anos.

Os jovens da Geração Z, nascidos entre 1995 e 2010, não sabem usar o computador, ou o que ainda chamam de desktop, porque a vida digital deles é no celular. E computador é coisa de velho.

Os jovens no mundo todo são mais infelizes do que os idosos, mas no Brasil essa comparação é pior ainda. Segundo pesquisa do Gallup, a população do Brasil com 60 anos ou mais figura na 37ª posição do ranking de felicidade mundial. Jovens de até 30 anos ocupam a 60ª colocação.

Há uns quatro anos, mobilizações mundiais de jovens nas ruas acionaram o alerta da destruição da Amazônia. O Brasil ficou quase indiferente às manifestações. E a Amazônia é nossa.

Pesquisas recentes mostram que os jovens não confiam nas instituições e muito menos na representação política formal. Em 2022, uma amostra realizada por pesquisadores de várias universidades, para o Observatório da Juventude na Ibero-América (OJI), revelou que 82% deles não confiam nos partidos.

A extrema direita argentina chegou ao poder com o fascista Javier Milei com o apoio da maioria dos jovens. A base do fascismo argentino é de jovens. E se dizia que a Argentina era o melhor exemplo latino-americano de como um país se livra de extremismos e da ameaça de retorno a uma ditadura.

São jovens de menos de 30 anos os ativistas nazistas, localizados principalmente no sul do Brasil. Reações radicais de xenofobia contra imigrantes na Europa, em especial contra os refugiados africanos, partem de jovens ligados ou não a organizações extremistas. É um fenômeno que cresce em Portugal, inclusive contra brasileiros.

Mas as notícias que envolvem jovens e as tentativas de reflexão em torno deles geralmente são produzidas por quem não é jovem. Assim, como aparece nessa miscelânea (uma palavra velha), misturam-se informações sobre desalentos e infelicidade, incapacidade de lidar com o computador, alheamento político e ativismo reacionário. Porque o centro disso tudo é o jovem.

Mas e o outro lado, a da juventude que defende o meio ambiente, engaja-se a movimentos sociais, ainda admite a relevância da representação política e importa-se com ações coletivas? Esse é o lado que estaria perdendo hoje ou estaria em clara situação de desvantagem.

Mas essa pode ser também uma conversa de boomer, ou de idoso da chamada geração baby boom, como é chamado o contingente nascido no pós-guerra e que tem hoje em torno de 70 anos? Pode. São adultos na velhice falando de jovens.

É esse o problema, o de velhos analisando  jovens, sem o lugar de fala da juventude, ou sempre foi assim? Não foram sempre os adultos maduros que refletiram sobre o mundo, enquanto os jovens conduziam ações políticas e faziam o mundo evoluir aos trancos e barrancos, como acontece a partir de 68?

A afronta, a capacidade de mobilização, a transgressão, sempre foi coisa de jovem. Não é mais, como fenômeno de massa? Os jovens perderam a capacidade de revolucionar, porque até essa palavra perdeu sentido?

Mais uma pergunta incômoda, de uma realidade próxima: é possível que as manifestações de 2019 no Chile tenham sido as últimas grandes expressões de ativismo político da juventude na vizinhança?

É possível que por muito tempo o Chile não tenha algo igual, depois do fracasso do sonho de uma nova Constituição e, no fim, da manutenção das leis do tempo de Pinochet?

Foram os boomers que destruíram os sonhos dos jovens e tiraram deles, pela primeira vez na História, o sentimento de vida eterna e de condução do próprio futuro?

Os boomers que construíram tudo o que veio depois da guerra e depois de 68 e de Woodstock, esses boomers mataram, com os fracassos de capitalismos e socialismos, os sonhos dos seus netos? Os boomers mataram a política e pedem ativismo político?

Mas será que os boomers teriam mesmo o poder de tirar dos jovens a capacidade de se rebelar contra o que é velho e oferecido como certo e consagrado?

Se é assim, como Jordan Bardella, com apenas 28 anos, chegou à presidência do Reunião Nacional, o partido da extrema direita de Marine Le Pen, grande vitorioso nas eleições francesas? Se é assim, como ele pode vir a ser, antes dos 30 anos, o novo primeiro-ministro francês?

Se é assim, como Javier Milei reforça sua aposta nos jovens e vai propor ao Congresso que a idade mínima para votar na Argentina seja reduzida de 16 para 14 anos?

Milei quer crianças votando na extrema direita, por ter certeza de que o fascismo vem prosperando na infância. E agora? O homem que ataca a política ‘tradicional’, as instituições e o que chama de castas tenta formar sua própria casta com a participação até das crianças. Como faziam quando da ascensão do nazismo.

A extrema direita que pisoteia a política e a democracia sabe usar melhor do que as esquerdas os mecanismos da democracia, para destruí-la por dentro com a ajuda dos jovens? Franceses e argentinos podem ter as melhores respostas.

Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe

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