OPINIÃO

O a-significante em educação

Por José Luís Ferraro / Publicado em 5 de julho de 2024

O a-significante em educação

Foto: Magda Ehlers/Pexels

Foto: Magda Ehlers/Pexels

É impossível debater educação sem, em algum momento, fazer referência ao ensino e à aprendizagem. Ao animarem os mais diversos processos educativos, o ensinar e o aprender são cruciais, dado que é por meio deles que atribuímos sentido às coisas, ao mundo. Ou seja: é através da produção de sentido que apre(e)ndemos a realidade.

Assim, ensino e aprendizagem implicam a significação como fundamental, pois é ela que estabelece a relação entre as palavras (os significantes) e as coisas (os referentes) – tal qual postulado por Ferdinand Saussure na estrutura de seu triângulo linguístico.

Para Saussure, não é possível pensar quaisquer conjugações entre significante e referente sem tal mediação como forma de representação; que se insurge impregnada de certa fixidez. É interessante observar como, na infância, isso acontece, por exemplo. Os adultos, ao emprestarem suas palavras para as crianças, também o fazem também em relação à significação, aos modos como significam, representam, e, portanto, entendem o mundo.

Pensar o significante, no entanto, nos remete não apenas a uma operação linguística, mas, sobretudo, a partir de Jacques Lacan, psicanalítica. Ao afirmar que o inconsciente se estrutura como linguagem, Lacan expande a compreensão do aparelho psíquico em relação a Sigmund Freud.

Para Lacan, são diferentes cadeias de significantes que estruturam nosso inconsciente que, ao operar a partir de metonímias e metáforas, é capaz tanto de substituir palavras para significar um acontecimento, quanto produzir imagens úteis à sua compreensão.

Logo, enquanto a metonímia nos permite deslizar sobre uma cadeia de significantes – ir de uma palavra à outra – são as metáforas que possibilitam certa liberação dos mecanismos de captura dos referentes, associando-os a palavras que se encontram em diferentes cadeias, ampliando a significação.

É isso que permite que um acontecimento seja associado a distintos significantes aos quais são atribuídas formas de representação e sentido. Depois de representado e significado, o evento pode ser referido ou explicado por meio de diferentes imagens.

Em oposição a Lacan, Gilles Deleuze e Félix Guattari vão investir no “a-significante” como crítica ao que referiram como sendo a “ditadura do significante”. A partir da proposição esquizoanalítica, a estrutura do inconsciente psicanalítico é colocada em xeque. Ela deixa de ser o espaço da representação familiar freudiana explicado pelo Complexo de Édipo, ao mesmo tempo em que sua estruturação pela linguagem – considerada uma espécie de despotismo m do significante – é desacreditada.

Deleuze e Guattari se referem ao inconsciente como usina do desejo, uma máquina desejante. Assim, a partir de conexões, conjunções e disjunções dos fluxos de desejo, ele abandona a sua condição de “falta” para ser compreendido como potência, vontade de devir: o desejo como produção do real.

O inconsciente como máquina desejante se opõe, assim, à máquina despótica do significante. É aí que surge a “a-significação” como crítica à rigidez de um regime de signos imposto pelo modelo semiótico de representação e significação. Uma alternativa à produção de sentido que escapa da relação significante/significado envolvendo uma dimensão estética, criativa.

Trata-se de tornar a linguagem um campo aberto e não mais fechado. Um lugar de experimentação para a produção de sentido a partir de novos/outros fluxos de desejo.

A inserção da arte, da literatura, da música e da experiência no espaço urbano em processos de ensino e de aprendizagem, por exemplo, constitui a-significantes que permitem tanto professores, quanto estudantes ressignificarem suas experiências a partir de formas dissidentes e instáveis – mutáveis, não fixas – de significação e representação. É disso que se trata a potência (intensidade) do a-significante em sua capacidade de subversão das relações de poder instauradas pela relação significante/significado.

São as relações a-significantes que possibilitam a instauração de outras relações, agenciamentos que permitem uma constante reorganização na circulação dos afetos, implicando o movimento de ressignificação por meio de um constante descentramento do significado.

Chega-se aqui a uma espécie de paradoxo – principalmente quando se trata do termo “educação significativa”, amplamente difundido no vocabulário pedagógico. Talvez a educação significativa tão referida e desejada no interior dos processos de ensino e de aprendizagem seja aquela marcada por experiências a-significantes que acabam por ampliar as potências de significação, rompendo com estruturas semióticas convencionais e carregada por uma multiplicidade dos afetos mobilizados – úteis à compreensão dos objetos de aprendizagem que povoam uma realidade a ser apre(e)ndida.

(NOTA DO AUTOR – O a-significante é aquilo que se opõe a uma significação fixa. Ele produz múltiplas significações porque ele foge da estrutura da linguagem incorporando outras coisas como a arte. Quando alguém ouve um som, isso pode significar muita coisa pra pessoa.  O som não é uma palavra que tem um significado específico. Quando se olha pra um quadro a mesma coisa. Tudo que rompe com o padrão semiotico, do regime dos signos é a-significante. Introduzir arte na escola é ampliar a compreensão das crianças. Porque elas podem significar de maneira múltipla. E não ficar presas em arquétipos específicos. Levar a criança pra um museu ter aula… ali tem várias rupturas a-significantes.)

José Luís Ferraro é Doutor em Educação, Bolsista Produtividade do CNPq e Professor Universitário

 

 

Comentários