OPINIÃO

Os sentidos e desafios da reconstrução do RS

Por Marco Weissheimer / Publicado em 19 de julho de 2024
Os sentidos e desafios da reconstrução do RS

Foto: Igor Sperotto

“A capital do estado foi uma das cidades mais atingidas pelas chuvas e cheias, deixando um rastro
de destruição e milhares de desabrigados”

Foto: Igor Sperotto

O trabalho de reconstrução do Rio Grande do Sul, após a catástrofe ambiental causada pelo evento extremo climático marcado por fortes chuvas e enchentes em várias regiões do estado, passará a ocupar um lugar cada vez mais importante nos próximos dias, meses e anos. Há um curto, médio e longo prazo que se cruzam. E essa reconstrução não é só física. Ela também é emocional e conceitual. No auge da crise, algumas vozes apareceram dizendo: não é hora de “politizar a questão” ou “buscar culpados”. No entanto, parece que uma das formas mais garantidas para que a tragédia atual se repita (como, aliás, se repetiu nos últimos meses, vide o que aconteceu em setembro e novembro de 2023) é não debater como chegamos até aqui.

“Reconstruir com resiliência climática, criando oportunidades de negócios e de futuro, é o único caminho para dinamizar a economia gaúcha no longo prazo. Estaremos à altura desta façanha?”

A pergunta é de André Moreira Cunha, professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), que integra um grupo de pesquisadores desta instituição, a qual vem analisando as possibilidades de caminhos para a reconstrução da economia gaúcha diante da catástrofe climática que se abateu sobre o estado.

Professores e pesquisadores da Faculdade de Ciências Econômicas se mobilizaram e construíram um documento intitulado “A Reconstrução do RS”, propondo uma estratégia de longo prazo para o enfrentamento dos múltiplos e imensos problemas que o estado deverá enfrentar nos próximos meses e anos.

As elites políticas e econômicas do Rio Grande do Sul, observa André Moreira Cunha, “mergulhadas em interesses de curto prazo e condicionadas pelos calendários eleitorais e pressões diversas, não ousam pensar que há a oportunidade de reconstruir o estado em bases que permitiriam aumentar a produtividade e o crescimento no longo prazo”.

Em vez de fazer isso, acrescenta, “apelam para soluções supostamente mágicas e consultorias internacionais, desprezando a ciência e as sólidas instituições de pesquisa existentes no estado”. Já o caminho proposto pelos economistas e pesquisadores da Universidade Federal pensa o longo prazo e trabalha com o conceito de resiliência climática:

“A Faculdade de Ciências Econômicas da Ufrgs aposta nesta direção e fornece elementos para a construção desta nova realidade”, completa o documento.

Ainda nesta linha de refletir sobre qual deverá ser a lógica da reconstrução. Arno Kayser, agrônomo, ecologista, escritor, fundador e ex-presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (Comitesinos), afirma:

“Muita gente não entendeu que o paradigma tecnológico que levou a sociedade à situação atual de desequilíbrio ambiental não tem capacidade de trazer soluções para a crise que vivemos. Precisamos pensar como a natureza e copiar ou ajudar a implementação das soluções que ela usa para sairmos desta e ter esperança de um futuro para a humanidade no planeta.

Resta saber em que medida essa questão da reconstrução afetará as eleições municipais deste ano. Esse tema vem ganhando relevância nas últimas semanas, especialmente no caso de Porto Alegre, a capital do estado que foi uma das cidades mais atingidas pelas chuvas e cheias, deixando um rastro de destruição e milhares de desabrigados. Já é bem conhecida a cadeia de precarização dos serviços públicos, de ocupação predatória dos solos e de negligências com mecanismos que poderiam ter, ao menos, minimizado os efeitos destruidores do extremo climático que se abateu sobre o extremo sul do país.

A questão agora é saber como esses episódios impactarão o processo eleitoral que se iniciará muito em breve. O pano de fundo é um só: qual é o modelo de cidades que queremos? Vamos simplesmente enxugar as águas e as lágrimas e retomar as rotinas de antes, como se nada de muito significativo tivesse acontecido?

Marco Weissheimer é colaborador mensal do jornal Extra Classe.

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