OPINIÃO

Por que servidores grevistas não são atendidos se Brasil tem R$ 5 trilhões em caixa?

Por Maria Lucia Fattorelli / Publicado em 2 de julho de 2024

Por que servidores grevistas não são atendidos se Brasil tem R$ 5 trilhões em caixa

Foto: Divulgação/ Sinagências

Foto: Divulgação/ Sinagências

Em 2023, o governo federal reabriu as mesas de negociações com as diversas categorias de servidores públicos federais, que se encontram sem qualquer reajuste salarial há vários anos, e nem mesmo a reposição inflacionária obrigatória tem sido obedecida no Brasil. Foi autorizada uma reposição de perdas na ordem de 9% em 2023, porém, em 2024 foi anunciado que o reajuste seria zero, o que levou várias categorias a se mobilizarem e até entrar em greve, a exemplo do pessoal da Educação, Meio-Ambiente, entre outros.

Mesmo considerando a reposição de 9% em 2023, as perdas inflacionárias acumuladas desde 2010 alcançam, em média, 46,5%, percentual este resultante da média entre 53,17% e 39,92%, reivindicados pelos respectivos blocos de servidores.

Apesar da forte greve unificada de docentes em conjunto com o pessoal das áreas técnicas e administrativas da educação, poucos recursos foram liberados para o atendimento apenas de algumas reivindicações, mas, sob alegação de falta de recursos, e a reparação das perdas salariais acumuladas não foi atendida.

Não falta dinheiro no Brasil! Em 31 de março de 2024, o caixa do Governo Federal chegou a quase R$ 5 trilhões, incluindo R$ 1,572 trilhão na Conta Única do Tesouro Nacional, R$ 1,484 trilhão no caixa do Banco Central, e R$ 1,773 TRILHÃO em Reservas Internacionais.

Nesse artigo vamos detalhar a origem dessa montanha de dinheiro e indicar a razão pela qual o governo não utiliza esses recursos para atender às reivindicações de servidores e demais demandas sociais urgentes.

No Brasil, a Conta Única do Tesouro Nacional representa o caixa do Governo Federal. Essa conta é alimentada por diversas fontes de receitas, como tributos, lucros das empresas estatais, recursos advindos de novas dívidas contraídas pelo governo, dentre outras, e tem mantido um saldo de mais de R$ 1,5 trilhão há anos, que tem servido para dar garantia aos rentistas, detentores de títulos da dívida pública brasileira, de que irão receber seus altos juros.

Ademais, devido às chamadas metas de “resultado primário” exigidas pelo FMI desde a década de 90, e incluídas na legislação brasileira por várias medidas, entre elas a Lei Complementar 200/2023, do arcabouço fiscal, os atuais R$ 1,572 trilhão não podem ser utilizados para atender às urgentes demandas do povo brasileiro, apesar desse dinheiro estar disponível em caixa.

Tais metas são sempre defendidas como uma forma de garantir a chamada “responsabilidade fiscal”, porém, na prática, elas se prestam a impedir a destinação de recursos para investimentos sociais, para que sobrem mais recursos para o escandaloso gasto com o Sistema da Dívida: pagamento de juros e amortizações sobre a chamada dívida pública constituída de mecanismos financeiros injustificáveis, juros sobre juros escorchantes, cobertura de prejuízos bilionários do Banco Central etc., para os quais não existe qualquer limite ou controle. Assim, a montanha de dinheiro mantida na Conta Única do Tesouro Nacional fica sempre disponível apenas para os rentistas da dívida pública, e não para o atendimento às demandas sociais.

As Reservas Internacionais representam as aplicações do Brasil em moeda estrangeira e chegaram a 355 bilhões de dólares em dezembro de 2023, apesar da queda de mais de 60 bilhões de dólares nos últimos anos, devido à desastrosa atuação do Banco Central (BC) com a desculpa de conter a variação do dólar. Sobre este tema, a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) protocolou requerimento de informação para que o Banco Central justificasse as sucessivas atuações que geraram perdas superiores a 300 bilhões de reais, mas a sua resposta limitou-se a dizer que teriam atribuição para fazer essas interferências, sem contudo, detalhar a motivação para cada uma.

No Brasil, o custo dessas reservas tem sido elevadíssimo, porque elas foram adquiridas às custas de emissão de títulos da dívida pública interna federal, que deveria estar servindo para investimentos de interesse da população que arca com o peso dessa dívida. As nossas reservas internacionais têm servido para dar garantia aos rentistas nacionais e estrangeiros de que poderão, a qualquer momento, converter seus ganhos internos (em reais) para dólares e os enviarem ao exterior sem qualquer limite. Têm sido usadas também para cobrir perdas decorrentes de intervenções desastrosas e injustificadas do Banco Central.

A farra desses privilegiados sigilosos é grande, pois ao invés de estabelecer controle sobre o fluxo dos capitais financeiros especulativos, como fazem diversos países, o Brasil tem optado por manter quase R$ 2 trilhões à disposição do mercado financeiro e se submeter às suas ameaças de fuga de capitais e ataques especulativos, alimentando ainda especulações com a moeda estrangeira com as chamadas operações de swap. A sociedade – que se sacrificou para constituir essas reservas e continua se sacrificando para mantê-las (porque os títulos emitidos para adquiri-las continuam exigindo o pagamento de juros) – fica sem acesso a mais esse dinheiro que está disponível em caixa.

O montante atual de cerca de R$ 1,5 trilhão no caixa do Banco Central representa a sobra de caixa dos bancos; dinheiro que pertence à sociedade que mantém depósitos bancários ou aplicações financeiras. Esse dinheiro da sociedade deveria retornar a ela, por meio de empréstimos para pessoas e empresas a juros baixos, a fim de dinamizar a economia com a ampliação de negócios e geração de emprego e renda. Mas não é isso que acontece! O Banco Central aceita o depósito dessa fortuna e paga diariamente a Taxa Selic ou até mais sobre este valor aos bancos, por meio das chamadas “operações compromissadas” ou “depósitos voluntários remunerados”.

Em 2023, o Banco Central gastou mais de R$ 220 bilhões para doar esses juros aos bancos, sobre um dinheiro que sequer pertence a eles, por isso denominamos esse pagamento de bolsa-banqueiro. Dessa forma, mais uma vez, os recursos da sociedade que poderiam e deveriam estar circulando na forma de investimentos produtivos em benefício da própria sociedade, ficam retidos, esterilizados no Banco Central, provocando ao mesmo tempo, danos irreparáveis à economia e à sociedade: escassez de moeda na economia, elevação dos juros de mercado, explosão da dívida pública e rombo aos cofres públicos.

A desculpa usada pelo Banco Central para esterilizar esse elevadíssimo volume de moeda tem sido o “controle inflacionário”, o que não tem base técnica ou científica alguma, tendo em vista que no Brasil o volume de moeda em circulação tem sido mantido em patamar de escassez, e, ademais, a inflação aqui decorre de elevação de preços administrados pelo próprio governo (combustíveis, energia, remédios, planos de saúde, dentre outros) e preços de alimentos (devido a fatores climáticos e à priorização do grande agronegócio de exportação).

Apenas 1 ano de bolsa-banqueiro seria suficiente para reparar todas as perdas acumuladas pelo funcionalismo público federal desde 2010, estimadas em R$ 158 bilhões.

Considerando as imensas riquezas existentes no Brasil, sob todos os aspectos, e mais essa montanha de quase R$ 5 trilhões em caixa, não há outra razão para deixar tantas demandas sociais urgentes desatendidas, como as reivindicações de servidores,  a não ser a subserviência completa ao Sistema da Dívida, que absorve todo ano quase a metade dos recursos do orçamento federal, afetando também os orçamentos dos demais entes federados, pois esse sistema consome toda a receita auferida com a venda de títulos públicos e ainda abocanha recursos de outras fontes, que deveriam estar financiando investimentos sociais.

O resultado dessa subserviência é visível: um país riquíssimo com a imensa maioria da população pobre e até miserável; um atraso socioeconômico vergonhoso, descaso ao meio-ambiente, população desatendida em seus direitos sociais básicos, e, ao mesmo tempo, o país que paga os maiores juros do mundo e onde os bancos batem sucessivos recordes de lucro!

É preciso enfrentar urgentemente o Sistema da Dívida, para que os recursos públicos sejam aplicados corretamente em nosso desenvolvimento socioeconômico de forma sustentável e respeitosa em relação aos direitos sociais e ambientais. A ferramenta hábil para esse enfrentamento ao Sistema da Dívida é a Auditoria, com participação da sociedade, para que sejam interrompidos os seus mecanismos de desvio das riquezas produzidas pela classe trabalhadora para especuladores nacionais e internacionais. O Governo precisa parar com a desculpa de que falta dinheiro, com R$ 5 trilhões em caixa, argumento de que faltam recursos para atender reivindicações de servidores em greve cai por terra.

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.

 

Comentários