A juventude não é preguiçosa, ela pensa o mundo diferente
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
“Essa geração de hoje em dia não quer nada com nada, só quer saber de festa. Na minha época não era assim…”. Esse tipo de frase já foi ouvida por todas as gerações já que toda geração antiga já foi a geração nova alguma vez. Culpar as gerações visa nos absolver de qualquer responsabilidade pela situação.
Diferente do passado, hoje as juventudes são campo de investigação por várias ciências, especialmente as ciências da educação, ciências sociais e humanas. Pesquisar e compreender as juventudes é fundamental para todo educador – categoria que engloba os adultos: sejam pais, mães, professores, cientistas, jornalistas, políticos, empresários etc. e evita nos expormos como seres irresponsáveis e néscios.
Estes estudos e pesquisas já realizados identificaram no campo das juventudes as principais preocupações que os afetam agora: a educação, o trabalho, a saúde (física e emocional) e o acesso à cultura e ao entretenimento. A crise climática/ambiental e a violência que produzimos em nossa sociedade é outra herança que os angustia.
Considerando o contexto do Dia Internacional da Juventude (12 de agosto) – data adotada na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1999 – e, o contexto do mês Setembro Amarelo, propomos nesta coluna uma reflexão um pouco mais ampla e contextualizada sobre a condição dos jovens no mundo e no Brasil nesta terceira década do século 21.
Enquanto educador universitário e pai de um jovem, penso e sinto que continuamos nos equivocando em leituras de mundo ilusórias, em propostas de vida vazias, em sistemas de educação e trabalho competitivos, em valores e promessas que mais ainda frustram os jovens, potencializando suas dúvidas, angústias, sofrimentos e a infelicidade. O uso excessivo de tecnologias potencializa estas sensações.
Geração Z não é preguiçosa
Segundo Thomas Roulet, professor e pesquisador de Sociologia da Universidade de Cambridge, a tendência para acreditar que a Geração Z é preguiçosa tem crescido cada vez mais, especialmente desde a chegada do home office e das melhorias nas condições de trabalho focadas na promoção da conciliação familiar em prol da vida privada e da saúde mental.
Segundo o professor este discurso a respeito da Geração Z não difere muito daquele que já vem se repetindo desde os anais da história. Cada geração mais jovem que as anteriores passaram por algum ponto em que as demais afirmaram que eram mais preguiçosas do que nunca. Portanto, adverte o pesquisador, culpar as gerações já é moda ultrapassada e deve ser superada.
Thomas Roulet coloca sobre a mesa a necessidade de levar em conta, também, o contexto econômico: “Embora um emprego de há 30 ou 20 anos tivesse proporcionado maior segurança, este não é necessariamente o caso hoje”, afirma o docente da Universidade de Cambridge. Se o trabalho não oferece oportunidade de crescimento ou tem salário insalubre, a Geração Z simplesmente não fica presa e vai procurar outro emprego.
Em 2023, um em cada cinco jovens no mundo, ou seja, 20,4%, era considerado “nem-nem”. Dois em cada três destes “nem-nem” são mulheres. E três em cada quatro jovens que trabalham em países de renda baixa apenas encontrarão emprego por conta própria ou trabalho remunerado temporário. Há uma evidente precarização das relações de trabalho e descriminação das jovens mulheres.
“Nenhum de nós pode esperar um futuro estável quando milhões de jovens ao redor do mundo não têm trabalho decente e, como resultado, estão se sentindo inseguros e incapazes de construir uma vida melhor para si e suas famílias. Sociedades pacíficas dependem de três ingredientes principais: estabilidade, inclusão e justiça social; e o trabalho decente para os jovens está no cerne de todos os três”, explicou Gilbert F. Houngbo, diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O relatório nos aponta que as oportunidades para os jovens são altamente desiguais; jovens com meios financeiros limitados ou de qualquer origem minoritária ainda lutando; com muitas mulheres jovens.
Sem oportunidades iguais para educação e empregos decentes, milhões de jovens estão perdendo suas chances de um futuro melhor, tanto no mundo como no Brasil.
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) do Brasil realizou uma sondagem sobre os pedidos voluntários de demissão entre novembro de 2023 e abril de 2024 (durante 6 meses). A pesquisa foi respondida por 53.692 trabalhadores que pediram o desligamento voluntário de sua empresa e relataram os principais motivos: 36,5% já tinham outro emprego em vista; 32,5% tinham como motivação o baixo salário; 24,7% indicaram que seu trabalho não era reconhecido; 24,5% problemas éticos com a forma de trabalho da empresa; 16,2% tinham problemas com a chefia imediata; 15,7% citaram a inexistência de flexibilidade da jornada. Entre os motivos adicionais ou externos o adoecimento mental pelo estresse do trabalho foi apontado por 23% e a dificuldade de mobilidade entre a casa e o trabalho por 21,7%.
Na mesma pesquisa os jovens indicaram, entre outras motivações para o pedido de demissão: baixo valor do salário (36%), trabalho não reconhecido (34%); problemas éticos (28%) e falta de flexibilidade na jornada de trabalho (20%) que dificulta inclusive de estudar. Outros 18% dos jovens citaram problemas com a chefia; adoecimento mental pelo estresse do trabalho apontado por 26% dos jovens de 18 a 24 anos e 25% dos com 25 a 29 anos.
Estas motivações apresentadas dialogam com os estudos de Thomas Roulet, professor de Cambridge, que revelam que “as expectativas em relação ao trabalho mudaram. As gerações mais jovens procuram crescimento, propósito e, ao mesmo tempo, um equilíbrio entre trabalho e vida, e as organizações devem adaptar-se para satisfazer essas exigências”.
A rigidez nas relações profissionais e acadêmicas, falta de valorização e ambientes saudáveis, explicam, em parte, o aumento dos jovens nem-nem (nem estudam, nem trabalham) no Brasil e no mundo.
Não se trata de falta compromisso e dedicação das juventudes, mas uma forma diferente de pensar e viver.
Em relação ao adoecimento mental e estresse, dados do Ministério da Saúde do Brasil revelam que, em relação à ansiedade e depressão, houve aumento de atendimentos ambulatoriais em hospitais públicos do Rio Grande do Sul (RS) desde 2018 de pessoas dos 13 aos 29 anos. Foram 1.333 atendimentos relacionados à ansiedade em 2018, número que saltou para 14.058 em 2023, representando um aumento de 955%.
Estes sintomas já se revelavam antes da pandemia, agravaram-se durante e pós pandemia.
Em relação à depressão, observa-se um aumento de 155% em relação a 2018, com 3.033 atendimentos em 2023 no RS. Houve variação nos atendimentos relacionados a estresse nos últimos cinco anos: de 317 em 2018 para 330 em 2023, com o pico em 2019, com 414. De maneira geral, percebe-se um aumento da prevalência de transtornos mentais na população mais jovem, ligados principalmente a estresse, depressão e ansiedade, afirma Lucas Spanemberg, psiquiatra do Hospital São Lucas da PUC-RS.
Os transtornos mentais psiquiátricos na adolescência podem trazer prejuízos no desenvolvimento do indivíduo, com sérias consequências ao longo do funcionamento cognitivo, social, mental e em sua saúde física. O cenário atual é preocupante pois revela dificuldades em questões básicas de educação e manejo em saúde mental, pontua Spanemberg. Além disso, o que mais preocupa na população jovem, neste momento, é o incremento dos quadros de depressão com risco de suicídio e com conduta auto lesiva.
Violência contra jovens é histórica
Conforme dados do Atlas da Violência 2024 no Brasil, no ano de 2022, de cada cem jovens entre 15 e 29 anos que morreram no Brasil por qualquer causa, 34 foram vítimas de homicídio. Dos 46.409 homicídios registrados, 49,2% vitimaram jovens entre 15 e 29 anos. Foram 22.864 jovens que tiveram suas vidas ceifadas prematuramente, uma média de 62 jovens assassinados por dia no país. Considerando a série histórica dos últimos onze anos (2012-2022), foram 321.466 jovens vítimas da violência letal no Brasil.
No contexto brasileiro, os 321.466 homicídios de jovens ocorridos entre 2012 e 2022 resultaram em uma perda de 15.220.914 anos potenciais de vida.
Os acidentes, como a segunda causa mais frequente de mortes entre os jovens, foram responsáveis por 7.590.042 anos potenciais de vida perdidos, enquanto os suicídios totalizaram 1.755.158 anos potenciais de vida perdidos. Isso significa que os homicídios retiraram aproximadamente o dobro de Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVPs) em relação aos acidentes e cerca de 8,6 vezes mais APVPs do que os suicídios.
No caso de homicídios entre jovens, a idade de vinte anos foi a que registrou o maior número de APVPs, totalizando 1.345.113 anos perdidos, indicando que os jovens no início da juventude suportam o maior fardo da violência.
Esta cultura de violência se estende, também, contra crianças e adolescentes. Entre 2012 e 2022, houve 2.153 homicídios de infantes (0 a 4 anos), 7.000 de crianças (5 a 14 anos) e 94.970 homicídios de adolescentes (15 a 19 anos). São milhares de crianças e adolescentes que não tiveram a chance de começar a construir um caminho profissional ou concluir – ou sequer iniciar – sua vida escolar.
A violência contra as mulheres cresce em todas as modalidades: agressões decorrentes de violência doméstica; violência psicológica; feminicídios; tentativas de homicídios, estupros e stalking (perseguição).
Da mesma forma, os incrementos significativos nos números de violência contra a população LGBTQIAPN+ registrados apontam que, 8.028 pessoas dissidentes sexuais e de gênero foram vítimas de violência no Brasil, em 2022, um aumento de 39,4% em relação a 2021, quando foram registrados 5.759 casos. Analisando a série histórica desde 2014, nota-se que os casos cresceram ano a ano, à exceção de 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19, quando os serviços presenciais caíram consideravelmente.
Na verdade, os nem-nem são sem-sem: sem direito à educação, sem direito ao trabalho e renda digna, sem respeito e valorização, sem segurança, sem paz, sem esperança, sem futuro, sem cuidado e proteção do Estado, da Sociedade e das famílias brasileiras. O que estamos lhes entregando e oportunizando enquanto sociedade constituem-se em fontes de incerteza, angústia, ansiedade, depressão e, inclusive, aumento de casos de suicídio. Que país é este?
Por fim, educar e pensar as juventudes hoje, em suas múltiplas determinações e expressões, nos obriga a pensar e falar no “plural” – juventudes , culturas juvenis -, e acreditar no enorme potencial deles no desenvolvimento da sociedade. Isto implica adotar três atitudes frente aos jovens na sociedade, na escola e nas universidades:
- primeiro, perceber os jovens estudantes como solução e não como problema;
- segundo, vê-los como fonte de iniciativa e como possibilidade de criatividade e inovação e não como receptáculo e,
- terceiro, considerá-los como parceiros e interlocutores das decisões nos processos educativos e não como destinatários das ações voltadas a eles.
Gabriel Grabowski é professor, pesquisador e escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.