OPINIÃO

Como a economia influencia na decisão do voto

Por Maria Lucia Fattorelli / Publicado em 23 de setembro de 2024

 

Como a economia influencia na decisão do voto

Arte: EC- foto de Nelson Jr -TS/ J Comp - Feepik

Arte: EC- foto de Nelson Jr -TS/ J Comp - Feepik

A influência da economia na decisão do voto tem sido muito relevante em eleições para presidentes da República e governadores, devido à identificação direta da população com a responsabilidade das medidas adotadas por dirigentes políticos e seus respectivos partidos ou posições políticas, conforme pesquisa feita em 2022, a qual revelou que mais da metade dos eleitores consultados responderam que a economia “influencia muito”.

Em eleições municipais, o desempenho da economia – especialmente no que atinge mais diretamente a população em geral, como a situação do desemprego, nível de renda, condições oferecidas em serviços públicos de saúde, educação, segurança, moradia etc. – também pode influenciar as eleições municipais, tendo em vista que grande parte da população faz automaticamente a relação entre o desempenho de presidentes da República e os candidatos municipais que estes apoiam, ainda mais em período de grande polarização política e influência das redes sociais, como o que vivemos nos últimos tempos.

Assim, o bom desempenho econômico de governos federais pode favorecer positivamente candidatos por ele apoiados, da mesma forma que o mau desempenho das variáveis econômicas mais evidentes para a população pode desfavorecer aliados políticos do governante federal.

No entanto, tal influência não é uniforme, podendo variar de acordo com as classes sociais, regiões e cidades, pois cada uma pode ter determinado perfil ideológico dominante. Para avaliar essa situação nos dias atuais, especialmente em um cenário novo, de forte influência das redes sociais sobre a opinião pública e polarização política, é necessário analisar dados recentes sobre a avaliação do atual governo federal, a fim de verificar possíveis evidências de impacto na decisão do voto em cada cidade.

Para tanto, é inevitável se recorrer a resultados divulgados por institutos de pesquisa privados como a Quaest e Ipec (antigo Ibope), que realizam pesquisas de intenção de voto e de avaliação do governo. Em recente levantamento, a Quaest destaca que tal avaliação é bastante heterogênea nas capitais.

Em um recente levantamento com dados de pesquisas de intenção de voto para prefeitos de 23 capitais, realizadas no final de agosto/2024, a Quaest identificou grande variabilidade: desde 21% de aprovação do governo Lula (contra 51% de reprovação) em Boa Vista (RR), até uma aprovação de 41% (contra 29% de reprovação) em Recife (PE).

Uma clara tendência identificada no referido levantamento foi a maior propensão à avaliação ruim do atual governo nas cidades onde o candidato Bolsonaro foi mais votado em 2022, ou seja, há um forte componente regional, conforme observa o cientista político Carlos Ranulfo, da Universidade Federal de Minas Gerais, reforçando a influência federal nas eleições municipais:

“Ainda temos uma sombra de 2022. A avaliação do governo está informada pelo fato de que o eleitorado ainda segue o comportamento da eleição passada. Quem votou em Bolsonaro em via de regra avalia a gestão como ruim ou péssima, sem nem pensar.”

É importante ressaltar que, mesmo nas 4 cidades onde atualmente o governo Lula é melhor avaliado (Recife, Teresina, Fortaleza e Salvador), em três delas (Teresina, Fortaleza e Salvador) o candidato apoiado pelo atual Presidente da República ainda não está liderando as pesquisas de intenção de voto locais, o que pode, evidentemente, se modificar ao longo da campanha, especialmente em Fortaleza e Teresina, onde a diferença entre os candidatos é pequena.

É fato que diversos fatores influenciam a decisão do voto nas eleições municipais, especialmente em momento de polarização política e influência de redes sociais, porém, a performance econômica nacional pode exercer papel relevante, tanto no pleito de 2024, como também de 2026.

Pesquisa Ipec de avaliação do governo, feita nos dias 5 a 9 de setembro de 2024, mostrou que tem crescido o percentual de pessoas que acham que situação da economia no Brasil teve piora nos últimos seis meses. Enquanto na pesquisa de setembro/23 tal percentual era de 29%, um ano depois subiu para 37%, enquanto o percentual de pessoas que consideram que houve melhora caiu de 42% para 33%.

Dentre os fatores que podem explicar a queda na avaliação da performance da economia, está, por exemplo, a forte restrição em investimentos públicos, que poderiam elevar as condições de vida da população. Essas restrições decorrem das regras impostas pelo “Novo Arcabouço Fiscal” proposto pelo atual governo e aprovado pelo Congresso Nacional: Lei complementar 200/2023, que manteve o teto de gastos para investimentos sociais, despesas primárias e com a estrutura do Estado, permitindo um crescimento real máximo desse conjunto de gastos em apenas 2,5% ao ano, além de impor o cumprimento de metas de superávit primário. Por outro lado, essa lei não estabelece limite ou controle algum para os juros e demais mecanismos da dívida pública federal. A falta de atendimento a justas reivindicações de servidores públicos que acumulam perdas salariais há anos também pode influenciar a conjuntura.

Para o ano de 2024, a Lei Orçamentária Anual (LOA 2024) prevê R$ 2,5 trilhões para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública federal, que no Brasil tem funcionado como um sistema que se retroalimenta, beneficiando principalmente os super ricos, e sem contrapartida alguma em investimentos necessários à população e ao desenvolvimento socioeconômico do país.

A mesma LOA 2024 prevê apenas R$ 180 bilhões – a previsão atualizada (“Dotação”) é de R$ 184 bilhões – para o Fundo de Participação de Municípios, ou seja, os 5.570 municípios brasileiros receberão um repasse federal 14 vezes menor que o valor previsto com a dívida pública federal.

Esses dados não têm sido devidamente explorados, e sequer há conhecimento do impacto de mecanismos financeiros que alimentam o Sistema da Dívida sobre o orçamento público.

Ao compararmos, por exemplo, o gasto total do Tesouro Nacional com a entrega de títulos da dívida pública e o pagamento de seus juros ao Banco Central (que são utilizados para remunerar diariamente a sobra de caixa dos bancos nas “Operações Compromissadas” e “Depósitos Voluntários remunerados”) e o valor de todas das Transferências Correntes e de Capital feitas pelo Tesouro Nacional aos Municípios (para garantir direitos sociais), fica evidenciada a excessiva transferência direta de recursos públicos para o sistema financeiro, enquanto a população que vive nos municípios é lesada em seus direitos fundamentais.

Comparativo entre (C) o gasto do Tesouro Nacional com a entrega de títulos da dívida pública e o pagamento de seus juros ao Banco Central e (D) o valor de todas as Transferências Correntes e de Capital da União aos 5.570 Municípios Brasileiros – 2013 a 2023 (R$ Bilhões)

Como a economia influencia na decisão do voto

Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida

Fontes: Colunas A: https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2691:2:0:
Coluna B: https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/balanceteslai – Receitas com juros / em moeda local /títulos
Coluna D – 2013 a 2019 – BRASIL/ME, 2020. Painel do Orçamento Federal <https://www1.siop.planejamento.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=IAS/Execucao_Orcamentaria.qvw&host=QVS@pqlk04&anonymous=true&sheet=SH06>. Todas as despesas das Modalidades de Aplicação nº 40, 41 e 45.

Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida

Assim, caso enfrentado somente esse mecanismo de remuneração diária da sobra de caixa dos bancos, o desempenho econômico e social da esfera federal e municipal poderiam ser positivamente afetados, com reflexos evidentes nos resultados eleitorais, pois um volume bem maior de recursos poderia estar sendo destinados para urgentes investimentos em saúde, educação, ações em defesa e proteção do meio ambiente, transporte público, saneamento, habitação, e várias outras áreas sociais de grande impacto na opinião pública.

A existência de metas de superávit primário e teto de crescimento dos investimentos sociais, como prevê o Arcabouço Fiscal, faz com que os recursos provenientes de diversas fontes, como tributos, lucros das estatais, recebimento de dívidas dos estados e a própria emissão de títulos da dívida sejam destinados ao pagamento da própria dívida, e não para investimentos sociais, como ocorre em países desenvolvidos, que praticam déficit, e não superávit fiscal. Tais países praticam taxas de juros reais bastante inferiores às nossas, e possuem prazos de endividamento mais longos, possibilitando que o endividamento sirva para tais investimentos, que geram retorno social e econômico.

Aliás, a política de juros brasileira também deveria ser completamente modificada, pois afeta diretamente a vida de todo o eleitorado. No Brasil, o Banco Central tem mantido taxas básicas de juros elevadíssimas, sem justificativa técnica ou científica que se sustente, travando a economia, impedindo a geração de empregos, e prejudicando a população de várias formas, tanto devido ao ônus dos juros que pagamos como devido ao atraso socioeconômico.

Para contribuir com esse debate, a Auditoria Cidadã da Dívida elaborou Carta Aberta a qual foi enviada a todos os partidos políticos, como manda a legislação eleitoral, para divulgação a seus respectivos candidatos(as), para que respondam às 6 (seis) questões sobre a auditoria da dívida, a securitização de créditos e o arcabouço fiscal.

É preciso exigir o conhecimento e o compromisso de candidatos(as) com a pauta econômica, pois essa afeta profundamente a vida de todas as pessoas e o desenvolvimento socioeconômico de país, por isso eleitores devem questionar a posição de candidatos(as) acerca da necessidade de alterar a atual política de juros, eliminar o “arcabouço fiscal”, realizar a tributação efetiva dos super ricos e a auditoria da dívida pública, dentre outras, para que os abundantes recursos existentes no país se destinem ao atendimento às necessidades da população.

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.

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