OPINIÃO

Slow Medicine: sem pressa para cuidar bem

Por André Islabão / Publicado em 5 de setembro de 2024

Slow Medicine: sem pressa para cuidar bem

Arte EC sobre imagem do Freepik e foto de Marcelo Camargo-Agência Brasil

Arte EC sobre imagem do Freepik e foto de Marcelo Camargo-Agência Brasil

A história se repete diariamente em milhares de consultórios: o paciente busca ajuda do médico e é atendido de maneira descuidada e apressada, o que pode gerar insatisfação e até mesmo colocar em risco a sua saúde.

Em outras situações, é o próprio paciente que tenta obter o mais rapidamente possível uma requisição para realizar uma lista interminável de exames desnecessários sem que seja feita uma avaliação clínica adequada, o que também pode colocar sua saúde em risco.

Em ambos os casos, a pressa na consulta reflete não apenas a desumanização das relações na sociedade atual, mas também a cultura moderna da impaciência e a crença de que fazer mais é melhor, o que nem sempre é verdadeiro.

No caso da medicina, a pressa e o exagero podem ter consequências desastrosas, como quando alguém é atendido sem o devido cuidado e recebe um diagnóstico equivocado ou um tratamento desnecessário.

É para evitar que a pressa e o exagero prejudiquem a saúde das pessoas que surgiu há alguns anos o movimento da Slow Medicine ou Medicina Sem Pressa, cujo objetivo é a promoção da saúde de uma forma mais sóbria, respeitosa e justa.

A sobriedade da proposta se refere ao empenho para que todos tenham acesso aos recursos médicos de que necessitam, mas ao mesmo tempo evitando-se o excesso e o desperdício que podem não apenas ameaçar a sustentabilidade do sistema de saúde como também causar danos não intencionais às pessoas e levar à escassez de recursos nas camadas menos protegidas da população.

O caráter respeitoso da ideia se refere à recomendação de que os profissionais sempre considerem os valores e preferências de cada pessoa que busca ajuda, individualizando o cuidado em vez de propor o mesmo tratamento indiscriminadamente para todos.

Por sua vez, um cuidado de saúde mais justo significa a tentativa de reduzir o enorme abismo existente no acesso aos cuidados entre os mais abastados e os menos favorecidos na sociedade, promovendo uma maior equidade na saúde que aumente o acesso aos cuidados para aqueles que mais necessitam.

Existe uma evidente semelhança entre as ideias defendidas pela Slow Medicine e aquelas do movimento que a inspirou: a Slow Food.

Quem acompanha esse movimento sabe que seus ideais vão muito além da realização de refeições mais demoradas: a Slow Food se preocupa com aspectos bastante humanos da vida, o que envolve um maior tempo disponível para as refeições, mas também defende que essas refeições sejam realizadas em ambiente adequado e na companhia de familiares e amigos, incluindo alimentos que respeitem a sazonalidade e as tradições locais e que sejam produzidos de maneira sustentável.

Da mesma forma, a preocupação da Slow Medicine vai muito além da simples duração da consulta médica – a qual deve, geralmente, ser um pouco maior que o habitual –, passando pela construção de relações médico-paciente mais fortes e longevas, pelo uso da escuta empática como ferramenta clínica e por uma maior parcimônia na atribuição de diagnósticos e na prescrição de exames e tratamentos.

Além disso, considerando-se o advento das redes sociais e os grandes interesses econômicos que atuam na medicina, existe cada vez mais a preocupação em promover uma boa dose de resistência contra qualquer tentativa de transformar a medicina em uma atividade de caráter puramente mercantilista.

Um ponto fundamental para que a Slow Medicine possa trazer benefícios em escala maior é que as pessoas em geral se interessem pelo tema e busquem obter uma abordagem slow por parte dos profissionais consultados.

Para serem colocados em prática, os princípios da Slow Medicine devem idealmente ser compartilhados tanto por quem busca atendimento como por quem presta os serviços. E é difícil imaginar que alguém não concorde com princípios tão desejáveis como a defesa da autonomia do paciente, a individualização das condutas e a qualidade de vida.

Para todos que desejem conhecer melhor a iniciativa, suas principais ideias estão descritas no site www.slowmedicine.com.br e no livro Slow Medicine – sem pressa para cuidar bem.

Algo importante que logo percebemos é que a Slow Medicine não é uma especialidade médica, mas sim uma atitude ou filosofia de trabalho, a qual pode ser aplicada a qualquer especialidade médica e também a diversas outras profissões relacionadas à saúde, como a psicologia, a enfermagem ou a fisioterapia.

Assim, não existem “especialistas em Slow Medicine”, mas sim profissionais diversos que aplicam essa filosofia em seu trabalho e atuam de maneira mais humana, empática e cuidadosa.

Da próxima vez que você apresentar um sintoma novo ou enfrentar algum problema de saúde que não seja realmente urgente, lembre-se da Slow Medicine e tente abordar o problema com seu médico de confiança de uma forma mais parcimoniosa, evitando decisões apressadas e excessos diagnósticos ou terapêuticos.

Na imensa maioria das vezes, essa atitude slow será uma sábia decisão e trará mais satisfação para você e maiores benefícios para sua saúde.

 

André Islabão é médico, integrante do movimento Slow Medicine Brasil e autor dos livros Slow Medicine – Sem pressa para cuidar bem, O risco de cair é voar e Entre a estatística e a medicina da alma – Ensaios não controlados do Dr. Pirro. 

 

 

Comentários