A crise dos machos extremistas atormentados
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
O homem-bomba que se matou em Brasília na Praça dos Três Poderes era um sujeito atormentado. É o que mais repetem. Se não fosse, não teria se explodido, depois de ameaçar matar Alexandre de Moraes e de identificar William Bonner como um perigoso comunista.
Homens atormentados cantaram o hino nacional ao redor de um pneu no meio da estrada, quando da tentativa de golpe. Homens e mulheres, todos atormentados, invadiram Brasília no 8 de janeiro.
Homens sob forte tormento tentaram explodir um caminhão perto do aeroporto de Brasília na véspera do Natal de 2022. Homens transtornados erguiam celulares para o céu em acampamentos diante de quartéis, à espera de contatos com marcianos que iriam ajudá-los a dar o golpe e impedir a posse de Lula.
E todos eram considerados homens normais, que voltaram a ter a vida normal, com exceção dos que foram presos pela invasão do Palácio do Planalto, do Supremo e do Congresso. O fascismo normaliza tudo que possa parecer anormal.
Foi assim ao final da Segunda Guerra, quando o comportamento dos líderes nazistas passou a ser analisado por psicólogos e cientistas de áreas diversas. Eles não pareciam anormais, não tinham patologias aparentes, mas matavam ou mandavam matar com crueldade.
Foi dessas observações que a filósofa Hannah Arendt criou a expressão a banalidade do mal, a partir do acompanhamento do julgamento do chefe nazista Karl Adolf Eichmann. Todos eles pareciam normais e normalizados.
O homem-bomba de Brasília era um cara normal, mas agora passam a dizer que ele andava se comportando de modo estranho. Era negacionista? Negava vacina aos filhos, se é que tinha filhos? Era terraplanista? Tudo normal. O homem-bomba também cantava o hino para pneus?
E assim, na tentativa de ver o homem como um atormentando, vamos desqualificando o sujeito como terrorista, mesmo que todo terrorista seja um atormentado por dramas pessoais ou coletivos.
Eram transtornados os homens que invadiram o Capitólio, no dia 6 de janeiro de 2021. Muitos desses atormentados votaram no líder deles e propiciaram sua volta ao poder, a partir do ano que vem. Esse líder é um homem permanentemente transtornado.
O líder brasileiro da extrema direita, que segue o grande líder do fascismo mundial, é um homem sob tormento. Dizer que são doentes, como até parte da esquerda repete, é ofender as pessoas em sofrimento, muitos em desalento pela ação dos homens atormentados da extrema direita.
O homem-bomba de Brasília é uma criatura desse meio que mistura ódio, violência, racismo, misoginia e delírios. Ere da mesma turma da idosa famosa de Tubarão, apresentada como exemplo de golpista, enquanto os líderes dele e dela estão impunes. E ambos são catarinenses, do estado estigmatizado como reduto de extremistas.
Análises que homens brasileiros preferem ignorar, e que passam longe das abordagens das esquerdas, mostram que Trump foi eleito de novo por machos atormentados.
Que temem a ascensão das mulheres, que se sentem frágeis porque o mundo do trabalho mudou e que enxergaram em Trump a chance de voltar ao que nunca mais serão. Homens que põem a culpa por seus dramas na luta identitária, nas pessoas trans, nos negros, nos mexicanos e nos carros chineses.
Não é por acaso que esses homens atormentados são identificados com a extrema direita e com salvacionistas. Fazem parte de patologias sociais que tiveram o auge com Hitler e se reproduziram no Brasil a partir da ascensão de Bolsonaro. Incendiários do Pantanal e da Amazônia são homens atormentados.
E assim vamos nos transformando em psicólogos, depois de sermos juristas no período do lavajatismo. E podemos dizer então, na psicologia das redes, que qualquer abalo empurra para a violência os homens com conexões com o extremismo.
O homem-bomba estaria abalado pela separação da esposa. Homens atormentados agridem, espancam e matam mulheres. Matam os diferentes. Matam crianças em Gaza. Não são lobos solitários, são lobos coletivos.
Quando podem, politizam seus dramas de homens sem poder e até explodem bombas, não em um lugar qualquer, mas na Praça dos Três Poderes.
Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.