A tragédia climática não arranhou a eleição em Porto Alegre
Foto: Igor Sperotto
Quando estávamos, literalmente, mergulhados nas águas do Guaíba e de outros rios que invadiram as ruas de Porto Alegre e de outras cidades do Rio Grande do Sul, muito se falou que aquele evento catastrófico tinha o potencial de provocar uma profunda mudança na percepção da população acerca do modo de governar as nossas cidades em tempos de emergência climática.
À medida que as águas foram baixando e a vida foi “voltando ao normal”, essa suposta mudança de percepção foi se materializando em um “mais do mesmo” em relação à questão ambiental. Esse “mais do mesmo” se expressou no resultado do primeiro turno das eleições e acabou se confirmando no segundo turno com a reeleição por larga margem do atual prefeito Sebastião Melo (MDB). Assim como ocorreu no primeiro turno, Melo venceu em todas as 10 zonas eleitorais da cidade, incluindo as mais atingidas pela enchente.
No auge da enchente, acreditava-se – ao menos, uma parcela importante da população de Porto Alegre – que os eventos trágicos que atingiram a cidade estavam expondo os problemas do modelo de gestão que vem governando a capital há vários anos, baseado, entre outras coisas, em privatizações e sucateamento de espaços e serviços públicos.
Tanto que a primeira pesquisa eleitoral divulgada após a enchente mostrou uma queda significativa do prefeito Sebastião Melo. Nas pesquisas seguintes, porém, ele foi recuperando o espaço até alcançar uma vitória tranquila no segundo turno. É difícil medir as mudanças de percepção social acerca de eventos como este. Vivemos um fenômeno similar no período da pandemia.
Se alguém dissesse, em 2019, que nos cinco anos seguintes viveríamos uma pandemia que nos deixaria isolados socialmente e, alguns anos depois, uma catástrofe climática com uma destruição sem precedentes no Rio Grande do Sul, pouca gente levaria a sério a previsão.
No entanto, cá estamos, cinco anos depois, acumulando em nossa bagagem de vida dois eventos disruptivos, que nos arrancaram de modo abrupto de nosso cotidiano e, mais grave, custaram a vida de milhares de pessoas. No caso da enchente de maio de 2024, a destruição de vidas, casas, patrimônios, memórias e afetos.
No auge da enchente, as comparações com o que vivemos durante a pandemia vieram quase que automaticamente à nossa mente. Foram dois eventos com suas diferenças e particularidades, com certeza, mas ambos, ao nos arrancarem de nosso cotidiano, abriram espaços comuns para refletirmos sobre o modo de vida que estamos levando, seus limites e contradições.
No período da pandemia, por exemplo, no seu início especialmente, muita gente acreditava e dizia que sairíamos melhor dessa experiência, pois ela estava afetando toda a humanidade, praticamente todo o planeta, o que nos levaria a nos enxergarmos como integrantes de uma comunidade global interdependente.
Essa perspectiva otimista acabou sendo minada progressivamente pela realidade. Após dois anos de pandemia, foi aumentando a pressão social e econômica de que precisávamos “voltar logo à normalidade”, sem dar o devido peso e importância ao que havia acontecido conosco e com o mundo. Esse não seria um caminho certo para alimentar novas tragédias em futuro próximo?
Não, a catástrofe climática que vivemos no RS não foi causada, no sentido mais estrito do termo, por esse nosso comportamento pós-pandemia. Mas talvez seja importante pensar em que medida essa pressão de “voltar logo à normalidade”, que volta a aparecer agora, não varre para debaixo do tapete debates sobre as dimensões mais profundas que vivenciamos nesses dois eventos.
Na campanha eleitoral, esse sentido de urgência e gravidade em relação ao que aconteceu apareceu timidamente nas estratégias eleitorais tanto do prefeito Melo (o que é compreensível, pois não lhe interessava expor seus próprios erros), quanto das candidaturas de oposição, que não fizeram desse debate um eixo central de campanha.
A própria sociedade pareceu não estar muito interessada neste debate, mas sim na “volta à normalidade”. Chamou a atenção também o alto índice de abstenção, com 381.965 eleitores, o que representa 34,83% do universo eleitoral da cidade. Pois “voltamos à normalidade”, ao mais do mesmo. Venceu, mais uma vez, a lógica do “não olhe para cima”.
Marco Weissheimer é colaborador mensal do jornal Extra Classe.