Por que jogam pedras em Roberto Carlos
Foto: Youtube/ Reprodução
Estão pedindo nas redes sociais que Roberto Carlos, Xuxa e Fernanda Montenegro, entre outras celebridades, não saiam mais de casa. Dizem que Roberto Carlos ficou velho e deve deixar de cantar.
Pedem para que Xuxa só reapareça depois de fazer plástica ou harmonização facial. Para que Fernanda Montenegro finalmente se aposente, porque sua performance no filme Ainda estou aqui teria exposto sua decadência.
Seriam poucos os que pedem tudo isso? Não, são muitos. São milhões que tratam Roberto Carlos, sempre visado, como o peru que é descongelado nessa época há décadas para o show de fim de ano na Globo. RC é considerado um velho. E a piada sem graça se repete, porque o que vale para essa gente é a crueldade.
Fernanda Montenegro ouviu críticas à sua performance, no papel da advogada Eunice Paiva, porque aparece catatônica e não diz nada no filme. Sua personagem, no fim da vida, tem Alzheimer.
Fernanda representa essa mulher brava, mas sem memória, que viu o marido, o ex-deputado Rubens Paiva, desaparecer nas mãos da ditadura. É atacada porque seu desempenho, não dizendo nada, nem deveria existir.
E o filme é sobre uma mulher que luta para preservar a memória afetiva e política do marido e manter aquela família ainda íntegra. E acaba perdendo a memória.
Xuxa é atacada talvez porque parte do seu público ou das mães de crianças que a adoraram se sentem traídas pelo começo do envelhecimento. Xuxa deveria ser sempre jovem.
O fenômeno do desprezo pelos idosos é mundial e fomentado pela internet. Mas não é uma disfunção social promovida pelos jovens. Os críticos de celebridades consideradas também velhas são velhos e velhas.
Por que essa crueldade? As ciências, que tudo estudam, terão de oferecer respostas. Uma pista: estudos de pesquisadores americanos comprovam o que se suspeita. Que são os idosos o contingente mais propenso a disseminar fake news na internet.
Junto com as mentiras, agregam ressentimentos, ódios e preconceitos. Os idosos que espalham fake news são menos propensos a parar para pensar, o que parece uma contradição em relação ao comportamento que seria o da maturidade.
No Brasil, as investigações envolvendo ódio e mentiras misturados a todo tipo de difamação mostram o protagonismo dessa gente ‘madura’. São famosos os tios e tias do zap da extrema direita. Eles estão no zap e nas redes.
Inquéritos abertos sobre agressões às instituições envolvem gente com esse perfil. Mas, além do tio reacionário, há gente que se considera de esquerda atacando Roberto Carlos, Xuxa e Fernanda Montenegro.
Sim, atacam. Eu sei e muita gente que frequenta as redes também sabe. Há gente madura que se acha progressista certa de que famosos ainda na estrada deveriam se recolher.
Dizem que é para que Roberto Carlos não se irrite, como fez em show no Recife, ao chamar a atenção de gente da produção que estava num lugar do palco onde ele não queria que estivesse. Ou quando teria jogado rosas para a plateia com gestos bruscos, de quem estaria enfarado.
Querem que Roberto Carlos, aos 83 anos, comporte-se como no tempo da Jovem Guarda. Que evite o mau humor, que não seja tão velho. A geração que curtiu desamores ouvindo Detalhes agora bate em Roberto Carlos.
Querem que Fernanda Montenegro, aos 95 anos, abandone o que sempre fez na vida, no teatro, na TV e no cinema, e se recolha para só fazer crochê e ver série espanhola na Netflix.
Querem que Xuxa, aos 61 anos, não traia seu público, para que adultas em crise não deixem de vê-la como se fossem suas paquitas. Atacavam Galvão Bueno quando era jovem. Agora atacam por ter ficado velho e ainda insistir em trabalhar.
Envelhecer virou um incômodo para quem observa esse envelhecimento, com a exposição pública de gente célebre. Envelhecer incomoda quem se perturba com essa permanência. Sempre foi assim? Com as redes, tudo ficou pior, mais descarado e mais agressivo.
Mas os bravos que decidem continuar expostos apenas fazem uma opção. Assim como fazem, em direção contrária, os que optam pela clausura, como fez Ney Latorraca, talvez para ficar fora do alcance das pedradas.
Jogam pedras em quem vai para o enfrentamento do mercado e das plateias que exaltam a combinação de beleza e juventude como a única capaz de expressar vitalidade.
Roberto Carlos, Xuxa, Fernanda Montenegro e Galvão Bueno se negam a matar o que de fato são. São idosos que resistem até ao poder dos cancelamentos das redes sociais.
Negam-se a se recolher e assim afrontam também os desejos e as doenças de quem espera vê-los como velhos sem muita utilidade. Os críticos e queixosos são os incomodados com a própria velhice.
Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.