OPINIÃO

Brasília pegando fogo, mas o maior foco do incêndio não é tocado

Em 2024, R$ 2 trilhões foram pagos aos sigilosos detentores de títulos da dívida pública federal; e, somente nos seis primeiros dias de 2025, o governo já pagou mais R$ 411 bilhões para o Sistema da Dívida
Por Maria Lucia Fattorelli / Publicado em 19 de fevereiro de 2025

Foto: Marcello Casal Jr/Agencia Brasil

Foto: Marcello Casal Jr/Agencia Brasil

O ano de 2025 começou quente, com temperaturas muito acima do normal em todo o país. Uma resposta da natureza à ação humana irresponsável diante do excesso de desmatamento, que derruba florestas e invade áreas de proteção ambiental para expandir a mineração predatória e o grande agronegócio de exportação de commodities, primarizando cada vez mais a economia brasileira e comprometendo o equilíbrio ambiental.

Essas atividades, que estão entre as mais preponderantes e já responderam até por crescimento pífio do PIB, em nada contribuem para o financiamento do estado, pois gozam de isenções tributárias e benesses creditícias, e ainda recebem generosos incentivos fiscais.

Tampouco contribuem para a alimentação do povo brasileiro, pois as commodities que produzem se destinam prioritariamente ao exterior, assim como seus lucros fabulosos, que não são investidos aqui.

Esse modelo é insustentável, mas acumula poder cada vez maior no Congresso Nacional, que nesse momento também pega fogo, porém, de outra forma.

Congresso Nacional

Os debates sobre a derrubada dos vetos presidenciais ao projeto do Propag – PLP 121/2024, de autoria do senador Rodrigo Pacheco – estão cada dia mais quentes.

Esse projeto foi aprovado pelo Congresso Nacional e propõe outra alteração no refinanciamento da dívida dos estados com a União, que já foi paga pelo menos três vezes desde o refinanciamento feito no final da década de 90, mas seu estoque se encontra, em média, multiplicado por seis vezes!

Essa conta não fecha, mas só mesmo a Auditoria Cidadã da Dívida e suas entidades apoiadoras têm tido a coragem de reivindicar a necessária auditoria dessa dívida que sangra os cofres estaduais há décadas!

Funcionalismo público

Outro foco de incêndio é a falta de reposição das perdas históricas dos salários do funcionalismo público federal, que realizará grande mobilização em Brasília nesta quinta-feira, dia 20 de fevereiro, data em que suas respectivas lideranças sindicais estarão reunidas no Ministério de Gestão e Inovação.

Cerca de 45 categorias do serviço público federal realizaram greves no ano passado e os acordos resultantes dessas mobilizações ainda não foram cumpridos.

O governo enviou, no dia 31/12/2024, a Medida Provisória 1.286 ao Congresso para tentar cumprir esses acordos, porém, essa MP não surtirá efeitos enquanto não for votado o Projeto de Lei Orçamentária para 2025 (PLOA), outro foco de incêndio.

O PLOA-2025 deveria ter sido votado ainda em 2024 para que o poder executivo iniciasse o ano dando cumprimento às destinações orçamentárias devidamente aprovadas pelo poder legislativo. No entanto, descontente com as restrições impostas pelo Judiciário às emendas parlamentares que somam cerca de R$ 50 bilhões (!), em grande parte sem transparência alguma, o Congresso Nacional não tem pressa em votar o PLOA, enquanto não forem liberadas as suas emendas, uma verdadeira chantagem!

Maior taxa real do planeta

O ano começou com mais uma alta da Selic que já atinge 13,25% ao ano, a maior taxa básica real do planeta, sem justificativa técnica ou econômica que se sustente.

O Banco Central sob novo comando segue mentindo para a população ao dizer que subir juros controlaria a inflação que, na verdade, decorre da alta dos preços de alimentos (em decorrência de erros de política agrícola e agrária) e elevação de preços administrados pelo próprio governo (combustíveis, energia elétrica, água, tarifas bancárias, planos de saúde etc.).

Subir juros não serve para controlar esse tipo de inflação porque nenhum desses preços se reduz quando os juros sobem. Até quando conviveremos com essas mentiras do Banco Central que provocam mais incêndio em toda a economia produtiva do país? Indústrias estão desaparecendo e o povo endividado está desesperado!

O principal incêndio

Em meio a tantos focos de incêndio, o principal deles sequer é tocado por parlamentares ou pela grande mídia: o Sistema da Dívida! Em 2024, praticamente R$ 2 trilhões foram pagos aos sigilosos detentores de títulos da dívida pública federal, e, somente nos seis primeiros dias de 2025, o governo pagou mais R$ 411 bilhões para o Sistema da Dívida.

Foto: Auditoria Cidadã da Dívida

Foto: Auditoria Cidadã da Dívida

Basta dar uma olhada no gráfico do orçamento executado (efetivamente pago) ao lado, construído com dados oficiais, para se ter uma noção do privilégio dos gastos financeiros com a chamada dívida pública, que o Tribunal de Contas da União já declarou que não tem contrapartida em investimentos no país.

Ora, se essa montanha de dívida pública federal interna, que já supera R$ 9 trilhões, não tem servido para investimentos, para que ela tem servido?

A Auditoria Cidadã da Dívida oferece um novo curso sobre isso e convida todas as pessoas a acessá-lo.

Somente quando uma grande parcela da sociedade se conscientizar do impacto desse Sistema da Dívida sobre a sua vida conseguiremos de fato controlar o maior foco de todos os incêndios. Aquele que destrói a possibilidade de vida digna e abundante para todas as pessoas e as empurra para um cenário de escassez, com serviços públicos insuficientes e ausência de estado em vários aspectos: salários aviltados, submissão à agiotagem em dívidas, riscos de jogos de azar, entre outros desarranjos inaceitáveis que nos colocam no avesso do que poderíamos ser.

A saída está em alavancar as lutas sociais e a conscientização do povo.

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.

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