Mais professores sim, mais valorização também
Foto: Ângelo Miguel/ MEC
Com risco real e eminente de apagão de professores em nível global, nacional e estadual, governos lançam programas como Professor do Amanhã, do governo do estado, e o Mais Professores para o Brasil (MEC). As iniciativas, um pouco tardias, são louváveis, porém insuficientes para o tamanho do desafio da educação brasileira.
Apoiar a formação inicial de professores por meio de políticas e programas é necessário e, inclusive, no Brasil, deveria ser uma política pública e gratuita permanente. Porém, o apagão de professores possui causas mais profundas e estruturais, como: desvalorização social e profissional, destruição da carreira, baixos salários, contratos emergenciais e temporários, formação precária em EAD, restrição da liberdade de pensar e ensinar e incertezas de futuro.
O programa do Professor do Amanhã, do governo do RS, implementando em 2024, foi resultado de uma negociação de 11 Instituições Comunitárias de Ensino Superior (ICEs) que construíram a iniciativa com o governo gaúcho. No primeiro ano, ficou acordado: Mil bolsas em cursos de licenciatura em ICEs; R$ 800 mensais para o aluno como bolsa de permanência e mais R$ 800 mensais para a instituição como taxa acadêmica; Vigência das bolsas de quatro anos, a partir de 2024. Para 2025, uma nova edição do programa prevê mais 500 bolsas integrais em cursos de licenciatura em cursos de Letras (Língua Portuguesa), Matemática, Geografia e História.
Já o Programa Mais Professores Para o Brasil, do governo federal, instituído pelo Decreto nº 12.358, de 14 de janeiro de 2025, também denominado Pé-de-Meia Licenciaturas, se propõe beneficiar até 2,3 milhões de professores e impactará a qualidade do ensino para 47,3 milhões de estudantes. O participante receberá mensalmente R$ 1.050 durante o período regular de integralização do curso.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, afirma que “o que foi anunciado é pouco para uma mudança estrutural na valorização da nossa categoria. A fala do presidente Lula fez um diagnóstico preciso da nossa situação, quando ele relatou a dificuldade da nossa ida e volta à escola, o transporte, a violência no espaço escolar e a dificuldade do processo de formação”.
Especialistas da ONU convocados a compor Painel de Recomendações aos países recomendam a necessidade de aumentar o reconhecimento e a dignidade da profissão docente mediante medidas como: fomentar e resgatar o status e a dignidade docente, por meio do respeito, confiança, diálogo social instituído e programas regulares de estudo e qualificação; que os/as docentes possam exercer o seu papel central de fomento às mudanças culturais da sociedade; atrair os/as jovens à profissão; garantir segurança ao exercício da profissão, fomentando o fim da violência, do assédio, das intimidações e ameaças; e, por fim, e talvez a mais contundente e importante Recomendação, que os governos eliminem as subcontratações de docentes em suas redes de ensino.
O programa Mais Professores tem por objetivo alertar a sociedade e os gestores públicos para a necessidade de valorizar o magistério da educação básica, porém, por si só, ainda se mostra insuficiente para mudar a realidade do dos professores que atuam na escola básica pública no Brasil. O desafio não se resume a apoiar a formação inicial e continuada dos professores, implica uma valorização estrutural da carreira e ampliação de investimentos.
De acordo com a pesquisa anual Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o investimento per capita na educação básica brasileira é o terceiro pior entre os países em desenvolvimento e que possuem os melhores resultados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Em 2023, o conjunto das redes públicas no Brasil investiu cerca de R$ 17,7 mil anuais por aluno, contra R$ 158,2 mil em Luxemburgo, R$ 103,9 na Suíça e R$ 99 mil na Bélgica. Como consequência direta do baixo investimento per capita na educação básica, o Brasil também se posiciona há décadas nas últimas colocações da pesquisa da OCDE em relação aos salários de professores que atuam no nível básico.
Programa Mais Professores para o Brasil orienta-se por um conjunto de princípios e objetivos relevantes, como: a melhoria da qualidade da educação; a cooperação entre os entes federativos; a superação das desigualdades educacionais e sociais; a valorização e a qualificação dos professores da educação básica e, o incentivo à carreira docente no Brasil. O problema que no Brasil é usual não implementar que a legislação estabelece e os gestores sequer são cobrados ou responsabilizados.
A cooperação entre os entes federados na implementação de políticas públicas de estado é outro desafio. A autonomia dos entes virou soberania e independência. No contexto da polarização política, cada município e estado sequem suas convicções sem cooperação efetiva. O Programa Escolas Cívico-militares e as Parcerias Público-Privadas (PPPs) são a evidência atual.
Além de um conjunto de diretrizes para o Mais Professores, o programa é estruturado em cinco eixos:
1) Seleção: a Prova Nacional Docente (PND) foi criada com o propósito de melhorar a qualidade da formação, estimular a realização de concursos públicos e induzir o aumento de professores nas redes públicas de ensino. Porém, estados e municípios estão reduzindo os ingressos por concursos públicos, contratando professores temporários e destruindo a carreira profissional docente.
Para a pesquisadora Darcilene Gomes (Fundaj) um dos principais problemas atualmente na educação pública e que afeta sobremaneira as perspectivas sobre a carreira docente é o expressivo percentual de professores com contratos temporários nas redes. “Em alguns estados, esse percentual alcança 80% dos professores atualmente em atividade, o que é um absurdo. Esses professores não conseguem ter qualquer previsibilidade sobre suas vidas, já que nada garante que estarão empregados no futuro. A remuneração também é um problema, pois os ganhos são bem menores e muitos sequer têm garantia do recebimento de 12 salários por ano”, criticou.
2) Atratividade: Neste programa o MEC criou o Pé-de-Meia Licenciaturas, um apoio financeiro para fomentar o ingresso, a permanência e a conclusão das licenciaturas. Neste programa Pé-de-Meia Licenciaturas, o participante receberá mensalmente R$ 1.050 durante o período regular de integralização do curso. Desse total, o estudante poderá sacar imediatamente R$ 700 e os outros R$ 350 serão depositados como poupança.
3) Alocação: a Bolsa Mais Professores dará apoio financeiro para incentivar o ingresso de docentes nas redes públicas de ensino da educação básica e aumentar a atuação em regiões com carência docente. O participante receberá uma bolsa mensal no valor de R$ 2.100, mais o salário do magistério, a ser pago pela rede de ensino a que estiver vinculado. Além disso, durante o período da bolsa, o professor cursará uma pós-graduação lato sensu com foco em docência.
4) Formação: para a formação de professores, o MEC criou um portal com informações centralizadas sobre cursos referentes às formações inicial e continuada, bem como às pós-graduações ofertadas pelo MEC e por instituições parceiras. A plataforma tem o objetivo de fortalecer o desenvolvimento profissional de acordo com o perfil do docente.
5) Valorização: o MEC também lançou ações junto a outros ministérios e bancos públicos para promover a valorização dos professores. Por meio de parceria com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, serão disponibilizados benefícios exclusivos, como um cartão de crédito sem anuidade. Além disso, professores terão direito a descontos de até 10% em diárias de hotéis.
O Estado do RS O Estado do RS já deveria estar desenvolvendo uma política pública de Estado em conjunto com as Universidades Gaúchas (UERGS, Universidades Federais, os Institutos Federais e as Universidades Comunitária) que se constituem em um dos principais patrimônios culturais, científicos e educacionais do Estado. Programas pontuais e de governo possuem limites de tempo e universalidade.
Já o governo federal, especialmente o atual, que no passado recente (2003-2014) desenvolveu programas como Pibid, Residência Pedagógica Obeduc, Parfor e Prodocência, Prouni, Fies para licenciaturas, deveria retomá-los, aperfeiçoá-los, ampliá-los e financiá-los com a décima economia do mundo.
O Pibid conseguiu afirmar-se rapidamente, graças a recursos e bolsas que criaram compromissos imediatos de ação. Em poucos anos, o programa deu origem a muitas experiências, de grande significado, e um movimento que trouxe uma importante renovação da formação de professores. Este programa, em específico, foi reconhecimento em meios acadêmicos como uma das melhores políticas e experiências de formação de professores à nível global.
A desprofissionalização dos professores tem-se agravado nos últimos anos, devido a vários fatores, desde a manutenção de níveis salariais baixos e de difíceis condições nas escolas até a intensificação do trabalho docente por via de lógicas de burocratização e de controle do exercício da docência, interferindo no direito de ensinar e aprender tudo que é necessário e importante para vida.
A descontinuidade de políticas públicas e programas não contribui para a formação inicial e continuada no nosso Brasil. Cumprir a legislação educacional vigente (CF, LDBN, PNE, Lei do Piso do magistério etc.) é muito mais importante que programas dos governos amparados em marcos legais (decretos) frágeis. Mais Professores no presente, no amanhã e no futuro passa por mais valorização da profissão docente, com: melhor carreira, melhores salários, mais respeito, melhor formação, mais liberdade de ensinar, mais dignidade e qualidade de vida hoje e no amanhã!
Gabriel Grabowski é professor, pesquisador e escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.