Mais uma alta da Selic e o ciclo de crises fabricadas pelo Banco Central
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Foto: Raphael Ribeiro/ Banco Central
Reunião do Copom com, Gabriel Galípolo (E): “A alegação reiterada pelo BC para tentar justificar a elevação da Selic não se sustenta, porque elevar juros não serve para combater o tipo de inflação que existe no Brasil”
Foto: Raphael Ribeiro/ Banco Central
O Brasil está novamente, em janeiro de 2025, convivendo com mais uma elevação absurda da taxa básica de juros Selic para 13,25% ao ano, por decisão da diretoria do Banco Central reunida no denominado Comitê de Política Monetária (Copom).
Essa prática de juros abusivos, que já se tornou algo recorrente na economia brasileira, impacta diretamente a vida da população, encarecendo o crédito, inviabilizando investimentos, comprometendo a geração de empregos e aprofundando desigualdades sociais. Impacta também o funcionamento de todas as empresas que precisam de capital de giro para funcionar, ou de empréstimo para financiar a produção industrial ou ampliar e investir em tecnologia, por exemplo. Impacta ainda as contas públicas em todas as esferas – federal, estadual e municipal – tendo em vista que praticamente todos os entes federados amargam processos de endividamento público.
Portanto, os juros abusivos prejudicam todo mundo, exceto o setor financeiro, que lucra – e muito – com essa remuneração ao capital estéril, que se presta a retroalimentar o que denominamos Sistema da Dívida, que suga recursos públicos sem contrapartida em investimentos sociais ou produtivos.
A alegação reiteradamente apresentada pelo Banco Central para tentar justificar a elevação da Selic não se sustenta, porque elevar juros não serve para combater o tipo de inflação que existe no Brasil. Medida pelo IPCA, em 2024 o índice ficou em 2024, e decorreu em sua maioria (mais de 70%) de elevação de preços administrados pelo próprio governo (combustíveis, por exemplo, devido à insana política de preços praticada pela Petrobras) e alimentos (devido à priorização dada ao grande agronegócio de exportação e a fatores climáticos). Portanto, a inflação brasileira não guarda relação alguma com a dita “demanda aquecida”. Na realidade, o aumento abusivo dos juros provoca um aumento de preços, tendo em vista que o custo financeiro das empresas e prestadores(as) de serviços sobe.
Enquanto o Banco Central eleva a Selic sem qualquer justificativa técnica, política ou econômica que se sustente, os juros abusivos assumem o papel de maior responsável pelo crescimento da chamada dívida pública brasileira, e o principal mecanismo de transferência de riqueza para o setor financeiro.
De acordo com dados do próprio Banco Central, em dezembro/2024, a cada 1% de aumento na Selic, há um gasto extra com juros da dívida pública de R$ 55,2 bilhões por ano. Sem contar as demais altas da Selic, considerando apenas as de dezembro/2024 e a de janeiro/2025, teremos um gasto extraordinário de cerca de mais R$ 110 bilhões em 2025, além de quase R$ 1 trilhão que pesa na conta dos juros da dívida.
Juntamente com esse rombo provocado pela alta da Selic, o Banco Central pratica diariamente o que denominamos Bosa-Banqueiro, isto é, a remuneração diária da sobra de caixa dos bancos, mais uma vez, sem justificativa técnica ou econômica que se sustente! Essa remuneração garantida pelo Banco Central aos bancos gera, ao mesmo tempo, uma escassez de moeda que eleva os juros de mercado, além de aumentar os gastos públicos e o estoque da dívida pública sem contrapartida.
A combinação de juros altos e escassez de moeda no mercado é uma receita certeira para o aprofundamento da crise econômica que experimentamos desde 2014, quando nitidamente tivemos uma crise fabricada.
O histórico do Banco Central evidencia um padrão de atuação que não se limita a um governo ou outro, mas se perpetua independentemente da orientação política da gestão federal. O sistema financeiro se mantém intocado, operando um esquema que beneficia poucos enquanto condena a maioria à estagnação econômica. Para compreender a gravidade desse problema e buscar soluções, é essencial analisar como essa estrutura foi construída e quem de fato se beneficia dela.
O papel do Banco Central na perpetuação do Sistema da Dívida
Não é de hoje, entretanto, que o Banco Central causa este estrago na política econômica brasileira, como mostramos detalhadamente em uma das aulas do curso lançado recentemente pela Auditoria Cidadã da Dívida e que está com as inscrições abertas.
Criado em 1964, no início da ditadura militar, o Banco Central tem sido peça-chave na geração e crescimento exponencial da dívida pública brasileira. Inicialmente, a dívida externa era justificada por investimentos em infraestrutura, mas investigações da CPI da Dívida Pública (2009-2010) mostraram que grande parte daqueles empréstimos beneficiou o setor privado, especialmente bancos, sem qualquer contrapartida real em investimentos sociais para o país.
Nos anos 1980, o Brasil foi um dos países atingidos pela chamada “crise da dívida” quando bancos privados internacionais que controlavam o FED (Banco Central norte-americano) e a Associação de Bancos de Londres decidiram elevar unilateralmente as taxas de juros internacionais, de cerca de 5% para mais de 20% ao ano. A crise gerada por essa elevação brutal dos juros abriu caminho para a interferência expressa do Fundo Monetário Internacional (FMI) e a imposição de medidas econômicas prejudiciais, como os programas de ajuste estrutural e cortes de investimentos. Em resposta àquela crise fabricada, o FMI exigiu que o Banco Central assumisse dívidas externas contraídas junto a bancos privados internacionais, tanto pelo setor privado (bancos e empresas) como do setor público, em acordos assinados em Nova York, completamente nulos, como comprovou o então senador Severo Gomes.
Nos anos 1990, o Banco Central foi um dos principais responsáveis pela transformação da dívida externa contratual ilegítima que se encontrava sob sua responsabilidade, e sob forte suspeita de prescrição, em novos títulos de dívida externa, no denominado Plano Brady, realizado em Luxemburgo, e, mais uma vez sem transparência alguma e sequer sem contratos assinados.
Em seguida, durante o Plano Real, uma parte significativa daqueles títulos de dívida externa ilegítimos foi transformada em dívida interna, justamente quando os juros pagos pelo governo brasileiro, sob a desculpa de controlar a inflação, alcançavam níveis exorbitantes. Essa manobra beneficiou diretamente bancos e especuladores, que passaram a lucrar com títulos da dívida interna remunerados a juros estratosféricos. Desde então, a dívida pública interna se tornou a principal justificativa para cortes em investimentos sociais e privatizações, seguindo a lógica de transferência contínua de recursos públicos para o setor financeiro.
O próprio ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, confessou publicamente que o objetivo da política monetária é “colocar o país em recessão”. Essa declaração escancara o caráter artificial da crise econômica, que não decorre de fatores externos ou de desajustes estruturais, mas de decisões políticas que priorizam os interesses do setor financeiro em detrimento da população.
Mobilização e soluções urgentes
Diante desse cenário, é fundamental que a sociedade se mobilize para exigir mudanças na política monetária e no papel do Banco Central. Algumas das ações urgentes incluem:
– Apoiar o PLP 104/2022, que busca limitar as taxas de juros no Brasil e proibir a prática abusiva da Bolsa-banqueiro, impedindo assim a continuidade da política suicida imposta pelo Banco Central.
– Impulsionar a Frente Parlamentar pelo Limite dos Juros e Auditoria Integral da Dívida Pública com Participação Social, a fim de envolver parlamentares para o cumprimento da Constituição Federal e a garantia de transparência nas operações do Sistema da Dívida, identificando os reais beneficiários desse sistema.
– Participar ativamente do novo curso da Auditoria Cidadã da Dívida, que detalha o funcionamento do Sistema da Dívida e fornece ferramentas para a mobilização popular.
Não podemos continuar reféns de um sistema que gera crises para favorecer poucos e prejudicar toda a nação. Com informação, mobilização e ação política, é possível pressionar por uma mudança real, garantindo que os recursos públicos sejam utilizados para o desenvolvimento socioeconômico e ambiental do país, e não para enriquecer ainda mais os grandes bancos.
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.