Todas as crueldades de um governador
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Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
O Rio Grande do Sul teve quatro governadores nomeados pelos ditadores, que exerceram seus mandatos como prepostos dos generais: Walter Peracchi Barcellos, Euclides Triches, Sinval Guazzelli e José Amaral de Souza.
Entre os desmandos que cometeram, ninguém imagina algo semelhante, pela crueldade com crianças e adolescentes, com a decisão do atual governador de insistir que os colégios públicos deveriam ter aulas num inferno de 40 graus.
Citá-los não significa, sob hipótese alguma, atenuar crimes e cumplicidades com a ditadura. Mas, com certeza, alguns deles eram menos tiranos do que gestores públicos que se apresentam hoje como políticos de centro ou da extrema direita moderada.
Eduardo Leite, o sujeito que se qualifica como um dos últimos social-democratas, persistiu no desejo de ver estudantes, professores e servidores em salas de aula, no verão mais implacável da história do estado.
Por quê? Para, pela insegurança, impor sua autoridade e submeter colegiais e profissionais da educação às suas ordens. Na cabeça de Leite, se gerações anteriores enfrentaram verões sem ar condicionado, as atuais gerações também podem enfrentar.
Porque também, pelo ponto de vista dos burocratas da sua Secretaria de Educação, seria um absurdo atrasar as aulas em uma semana. Mas pode existir algo mais além dessa ideia rasa de obediência a calendários, a qualquer custo.
Eduardo Leite ficou incomodado ao ser vencido por uma liminar da Justiça, conseguida pelo Cpers, o sindicato dos professores do ensino público gaúcho, e teria de derrubá-la. E conseguiu.
O tucano não pode nunca se sentir derrotado. Leite, ao assumir, no primeiro mandato, em 2019, investiu contra a legislação ambiental e obteve apoio dos seus deputados para pulverizá-la.
Dedicou-se a massacrar direitos de servidores. Impôs, mais uma vez com apoio da Assembleia, o desejo de afastar a população do direito de deliberar, por plebiscito, sobre a venda ou não de estatais.
Leite, o inseguro, subestimou as primeiras cheias do Rio Grande do Sul. Foi incapaz de reconhecer os erros que cometeu ao sabotar a legislação ambientalista e ver sua decisão inserida no cenário da tragédia de maio, que matou mais de 180 pessoas.
Em determinado momento, para reconstruir sua imagem de ex-bolsonarista, declarou-se gay, publicamente, em programa de TV de alcance nacional. E passou a se dedicar a atitudes autorreferentes em que as questões coletivas da população LGBTQIA+ não importavam. O que importava era a sua condição e a romantização do seu relacionamento.
Seria um bom exemplo, como figura pública corajosa, se essa exibição não resultasse apenas numa postura autocentrada, que não se reflete em nenhuma ação relevante para a afirmação das diferenças e das liberdades.
Leite foi evoluindo, até virar recentemente um fortão, com camiseta de física que produz vídeos em que tenta cantar samba e tocar pandeiro. É o seu atual investimento em imagem.
Esse governador inseguro, cujo partido deve desaparecer esse ano, ficará no governo por oito anos. Não há, entre dezenas de governadores gaúchos, desde o Brasil Império, meia dúzia de gestores que tenha ficado tanto tempo no poder.
Leite desmontou estruturas públicas, depreciou patrimônio, vendeu a companhia estadual de águas, tensionou as relações com os servidores e chegou agora, ao impor aulas sob 40 graus, ao estágio que o habilita a ser um dos mais autoritários e insensíveis gestores brasileiros.
Mas Eduardo Leite, o fofo inseguro, insiste, por entender que uma sala de aula caindo aos pedaços, como a maioria das escolas públicas do estado, deve ser ocupada sob 40 graus, em nome do cumprimento do planejamento escolar.
É assim que reflete o que pensa, não o conservadorismo, mas a extrema direita brasileira, com a qual o governador tem conexões explícitas de ideias e de ações. Tanto que compartilhou seu governo com essa gente em todos os escalões, depois de ter se declarado eleitor de Bolsonaro.
Leite, o governador inseguro, submeteu professores, estudantes e servidores de escolas ao seu comando implacável, até derrubar a liminar que impedia as aulas, porque não pode ter sua insegurança contrariada.
Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.