OPINIÃO

A vitória da menina Rita

Barbosa Lessa / Publicado em 2 de junho de 1998

Sempre foi meio estabanadinha. Tanto que nem esperou os nove meses e obrigou a mãe – que morava na Estância de Santa Isabel, em Jaguarão – a vir apressadamente para Rio Grande. Ali nasceu prematura, a 9 de junho de 1866, e foi batizada com o nome de Rita.

O pai vendeu a estância e se estabeleceu com charqueada na próspera Pelotas. Rita e um irmão receberam sólida instrução no Colégio São Francisco de Paula, dos mestres Laquintinie e Amarante.

Ela adorava estudar e queria continuar, mas em Pelotas só havia cursos primários. Teria que se mudar para Porto Alegre, a fim de cursar a Escola Normal.

Mas o pai ponderou que não valia a pena tanto esforço para se tornar professora: melhor seria ficar junto da mãe para se esmerar na administração de uma casa e fazer juz a um “bom partido”.

Até então, uma lei imperial impedia o acesso do sexo feminino aos cursos superiores, nessa época representado pelas Faculdades de Direito de São Paulo e Recife, pelas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia e por umas outras poucas mais.

Mas eis que, em 1879, por graça da Reforma Leôncio de Carvalho, o privilégio de um diploma superior foi estendido também às mulheres! Rita, na flor de seus treze anos, bateu pé que queria ser doutora. Conseguiu convencer o pai e foi fazer os “preparatórios” em Porto Alegre; mas, para que não ficasse tão só, o irmão foi matriculado também.

Em 1884 já estavam esses dois na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro; mas o irmão, por não sentir vocação para médico, foi inscrito na área de Farmácia.

Pela metade do 1º ano ocorreu uma agitação estudantil em que se envolveu o irmão, que ficou “marcado” pelos professores. Temendo que a filha ficasse “marcada” também, o pai aconselhou-a a voltar para casa. Ela bateu pé que-não-que-não-que-não.

O pai preferiu transferi-la para a longínqua Faculdade de Medicina da Bahia. No final de 1887 ela defendeu a tese “Paralelo entre os métodos pre-conizados na operação cesariana” e recebeu, com louvor, o título de médica.

E assim a Drª Rita Lobato pôde voltar aos pagos com seu sonho realizado e com o prestígio de ser a primeira mulher formada em Medicina no Brasil. Clinicou em Pelotas e Porto Alegre, casou-se e fixou residência em Rio Pardo, só pendurou as chuteiras em 1935 e foi curtir a santa paz rio-pardense na Estância Capivarita. Faleceu em 6 de janeiro de 1954.

* Luiz Carlos Barbosa Lessa é historiador, folclorista e escritor.

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