Ilustração: Ricardo Machado
Ilustração: Ricardo Machado
Quando conheci o Betinho, me surpreendi com o seu bom humor. Não sei bem o que eu esperava. Sabia, de vê-lo na TV, que não encontraria nem um profeta pontificador nem um santo em transe perpétuo, embora ele tivesse todo direito às duas poses. Mas não tinha pose nenhuma.
Me surpreendi com a sua informalidade afetuosa e com o brilho brincalhão nos seus olhos. Sua aparência perturbava, a princípio. A única segurança que você tinha de que ele não morreria na sua frente em dois minutos era que nenhum moribundo estaria fazendo piadas daquele jeito.
De ninguém se deve dizer que é uma pessoa simples, ser humano já é ser um complicado nato, mas no Betinho a simplicidade era funcional: o homem era a mensagem. E a simples mensagem do Betinho era que isto está errado, isto sendo o Brasil e as suas misérias.
A fome num país como o Brasil é simplesmente errado. Não errado num sentido cristão, nem mesmo errado num sentido moral relativo, mas errado como um sapato no pé trocado. Fundamentalmente errado. Errado como um cálculo estrutural que condena a construção, qualquer construção, à ilegitimidade e ao desastre.
Pode-se dizer das mensagens simples que elas são sempre mensagens óbvias. Ninguém acha a fome certo, ninguém é a favor da miséria, Betinho seria apenas a má consciência brasileira sintetizada numa figura débil e desenganada com a qual todos podiam concordar sem compromisso.
Mas Betinho insistiu com a sua simplicidade até transformá-la num imperativo incômodo. Sua própria teimosia em não morrer fez do óbvio uma cobrança permanente. Nada pode ser ou dar certo no Brasil enquanto a nossa prioridade não for o óbvio errado do Betinho.
Muita gente vai dizer coisas bonitas sobre ele e sua mensagem. Mas muita gente hoje está aliviada, pensando: um cobrador a menos.
Luis Fernando Verissimo colabora mensalmente com o Extra Classe desde 1996.