OPINIÃO

A lona e a maquininha

Publicado em 30 de setembro de 1998

A humanidade se divide em dois tipos de pessoas: as que dividem a humanidade em dois tipos de pessoas e as que não dividem a humanidade em dois tipos de pessoas. Eu obviamente pertenço ao primeiro grupo, que é dividido entre os que gostam de dar um nome aos tipos de pessoas em que a humanidade se divide e as que não gostam. Eu gosto, e acho que todas as divisões ficam mais claras se você identificá-las rapidamente com um nome, mesmo com o risco da simplificação. Nas últimas eleições brasileiras, por exemplo, houve uma divisão entre candidatos eleitos pela urna tradicional e eleitos pela urna eletrônica. Os da lona e os da maquininha. Não sei se as estatísticas comprovaram isto mas os eleitos pela lona seriam mais conservadores do que os eleitos pela maquininha, já que as urnas antigas predominam no interior, onde as práticas eleitorais também são mais antigas e as pessoas supostamente têm menos sofisticação política, enquanto nas urnas modernas vota o eleitorado urbano, mais informado. Também não sei o que os números dizem sobre o apoio comparativo dado a Éfe Agá na lona e na maquininha, mas desconfio que se fosse contar só com a maquininha o presidente teria sido reeleito por bem menos. O que significaria que Éfe Agá deve sua continuidade em boa parte ao voto atrasado. Pelo menos, ao voto que foi contado depois. Seria um presidente de lona mais do que da maquininha.

Nomes práticos também poderiam ser dados aos dois tipos de pensamento que dividem o governo quanto ao futuro da nossa economia. Há os malânio, em honra ao Malan, que quer que tudo continue como foi até aqui, com a ajuda do FMI, e os malaios, em honra à Malásia, o único dos tigres asiáticos feridos que mandou o FMI enfiar sua receita na pasta executiva e dar o fora e vai tentar resolver seus problemas com o mercado interno, controle do capital predatório, etc. Os malânios, por enquanto, reinam enquanto os malaios conspiram.

As penúltimas

Dizem os céticos que as únicas pesquisas eleitorais que devem ser levadas a sério são as penúntimas, entendendo-se que as últimas são as próprias eleições. Se o processo é sério, só na véspera das eleições é que a pesquisa pega os eleitores definidos, cabeças feitas e portanto uma amostragem confiável. Se o processo não é sério, as penúltimas pesquisas são as que as pesquisadoras usam para disfarçar manipulações passadas e garantir sua reputação. Quando se dizia que as sondagens de intenção de votos tinham ficado tão precisas que não erravam mais, era baseado nas penúltimas pesquisas, as do fim, as que ficavam registradas enquanto o possível uso eleitoreiro de pesquisas no transcorrer da campanha era esquecido. Assim pesquisadores sérios e não tanto só precisavam estar certos uma vez por eleição, na véspera.

A novidade nesta eleição é que em alguns lugares até as penúltimas pesquisas erraram. Em casos como o de São Paulo, o Distrito Federal e o Rio Grande do Sul os números da véspera também não foram confirmados. Não quero desejar a ruína profissional de ninguém mas acho bom quando pretensões à infalibilidade científica são abaladas assim, ainda mais quando é cada vez mais forte a tendência a submeter tudo na vida aos critérios dos medidores de mercado. Achar que a técnica de amostragem pode chegar a ser uma ciência exata e um dia até, por que não, substituir o sufrágio universal – este sim, tão imprevisível e variável que não se deveria confiar nele como amostra do que as pessoas querem – é tolo como achar que as pesquisas não servem para nada a não ser desestimular o PT. Que continuem as pesquisas e fiquem cada vez mais verdadeiras. Mas que é bom ver os pesquisadores perderem um pouco da sua empáfia, é.

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