OPINIÃO

Cinqüenta anos depois

Barbosa Lessa / Publicado em 25 de junho de 1999

É habitual que uma turma formada pela universidade se reúna, lá um dia, para comemorar a formatura. Mas acho raridade o que aconteceu com nossa turminha de guris que terminou em 1944 o curso no Ginásio Gonzaga – dos Irmãos Lassalistas, em Pelotas – e que inventou de se reencontrar festivaente meio século depois. Trabalheira foi a do colega Scheidemandel, residente em Porto Alegre, que realizou verdadeiro trabalho de detetive para ir localizando Brasil afora o esconderijo dos ex-gonzagueanos. Até que pôde noticiar, num cantinho dos jornais, o encontro dia tal a tantas horas numa churrascaria tal, em Pelotas. Comemoração dos 50 anos de “formatura”.

No dia marcado, tomei o ônibus e fiquei feliz da vida. Eu ia tornar a abraçar o Francisco Vidal, o Clair, o Cléo Severino, o Darcy, o Parobé, toda aquela gurizada que eu nunca mais tinha visto. Que turma unida, bah! A gente inventava de fazer um conjunto musical, e estava feito. Ou editar um jornalzinho semanal. Ou fazer um campeonato de futebol. Com excepcional companheirismo, era sucesso garantido.

Bons tempos, aqueles. Os professores também colaboravam, e muito. O Irmão Agostinho, professor de português, foi quem inventou uma pasta de gelatina para podermos imprimir o jornal, à base de papel carbono, sem os altos custos de uma tipografia. O Irmão Daniel, com um sorriso nos lábios, fazia-nos suportar menos apavoradamente os problemas da matemática. Todos eram bons amigos. Exceto o Irmão Celso que, imbuído pelo exemplo do Mussolini lá na Itália e do Getúlio aqui no Brasil, nos fazia comer o pão que o diabo amassou, com suas manias de disciplina. Uma tarde, após as aulas, fez-me ficar na “sala de castigo”escrevendo 300 vezes “não devo fazer”tal coisa, que eu nem entendera bem por que é que estava errada. Minha mãe, aflita, no outro dia foi ao Ginásio para saber o que é que eu havia cometido e para indagar como podia ajudar na correção do filho, e com a maior cara de pau o Irmão Celso disse que eu não havia cometido nada de grave, mas sempre era bom aprender arespeitar a autoridade. Mais tarde fiquei sabendo que ele havia abandonado a batina, formara-se em Direito e exercia a advocacia em São Lourenço do Sul. Com outro nome, é claro.

Cheguei à churrascaria e me esparramei em abraços com toda a turma. Mas eis que me deparo, ali mesmo, com o Irmão Celso. Quase abandonei a festa e me toquei de volta para casa. Mas, embora contrafeito, agüentei a desgradável presença. A certa altura, foi dada a palavra a cada um, lado a lado, para que fizéssemos nossas saudações. Até que chegou a vez do único professor presente…

– Não fui convidado, mas li notícia no jornal. Como eu era professor, mais velho que vocês, vocês devem achar que eu era um velho. Era, isto sim, um rapazote. Ainda em formação. E vim aqui, hoje, somente para pedir perdão, sinceramente, por algum mal que, inadvertidamente, eu tenha causado. Por amor de Deus, me desculpem!

Senti lágrimas nos olhos. E até nem faço nenhum comentário mais.

* Luiz Carlos Barbosa Lessa é jornalista, historiador, folclorista e escritor

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