OPINIÃO

Preocupações

Veríssimo / Publicado em 25 de junho de 1999

Sinto um misto de revolta e inveja quando ouço alguém dizer que está sem nada para ler. Com a cabeceira entulhada de livros que só terminarei de ler com 217 anos, se a luz for suficientemente forte, e já convencido de que nunca cumprirei meu modesto projeto de vida que é saber tudo sobre tudo, me sinto ofendido com a queixa insensata. Da próxima vez que um folgado me pedir uma sugestão de leitura, pretendo produzir uma fita bobinada com os títulos de mil livros que ainda não li, de A de Amis a Z de Zweig, e atirar na sua cabeça. O tempo para ler, como a renda, deveria ser melhor distribuído no mundo. A revolta é a mesma com as pessoas despreocupadas. Aqueles inconscientes que, quando você pergunta como vai a vida, respondem “Maravilha!”. Como, “Maravilha!”? Nem banqueiro brasileiro tem o direito de dizer “Maravilha”. Se o que falta a esse contentes inexplicáveis é preocupações, eu tenho várias para fornecer. Ninguém diga na minha frente que está sem nada para se preocupar.

Confesso, até, uma certa volúpia por preocupação. Faço coleção de angústia e tenho algumas raridades. Você sabia, por exemplo, que além dos outros incômodos que vai causar o bug do milênio, a reversão dos relógios digitais para 00 pode provocar o disparo de foguetes intercontinentais com ogivas nucleares, e o réveillon com fogos de artifício definitivo da História, ou o meltdown de usinas nucleares e a contaminação radioativa de literalmente todo o mundo? O ano 2000 vai começar no Oriente, de modo que, se o bug acionar mesmo os foguetes, os primeiros serão disparados da China e da Rússia em direção aos Estados Unidos, que pode achar prudente não esperar até a meia-noite para abrir os champanhas e disparar os seus. Existem 36 mil armas nucleares estocadas e 432 reatores nucleares em funcionamento no planeta. A contagem regressiva para o ano 2000 pode muito bem ser uma das últimas atividades humanas sobre a Terra até que as amebas resolvam começar tudo de novo. E faltam 220 dias para o fim do ano.

Espero sinceramente ter tirado o seu sono, pelo menos para esta noite. E que você tenha alguma coisa para ler.

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Estão dando pouca importância a um trecho da conversa gravada entre o presidente da República e o então presidente do BNDES sobre a privatização das telefônicas cujo efeito colateral pode ser tão danoso, em termos diplomáticos, quanto o bombardeio da embaixada da China em Belgrado pela Otan. Refiro-me ao trecho em que André Lara Rezende conta ao presidente que um grupo português poderia participar do leilão no lado preferido do Governo, e que o consórcio português até já teria um nome, Por Com Norte Nordeste.
FHC – Sei. (Gargalhadas.)
André – (Risos.) Então, quer dizer, é aquela coisa, né? ‘O filho que era mãe.’ (Gargalhadas.)
FHC – (Gargalhadas.)”

Consta que o trecho é maior, e que o que os jornais não publicaram por falta de espaço seria assim:
André – (Gargalhadas.)
FHC – (Risos.)
André – (Gargalhadas incontroláveis.)
FHC – (Risos. Depois gargalhadas.)
André – Ai meu Deus! Ai meu Deus! (Gargalhadas.)
FHC – Eu… (Gargalhadas.) Eu… (Gargalhadas.) Eu não agüento! (Riso convulsivo.)
André – Por Com Norte Nordeste! (Gargalhadas.)
FHC – Pára, André, pára! (Gargalhadas.)”

Portugal é um país amigo, ao qual nos ligam laços culturais e comerciais, e é lamentável que altas autoridades brasileiras, mesmo informalmente, recorram a estereótipos comprovadamente injustos desta natureza, inclusive repetindo falsidades infamantes como a que o título do filme “Psicose” em Portugal era “O filho que era a mãe”, ou “Titanic” se chamava “E a rapariga boiou…”. Mesmo porque o negócio de que tratavam as duas autoridades quando fizeram as tais alusões pejorativas foi tão confuso, ingênuo e errado – o Governo financiou a privatização de uma empresa que agora vai comprar de volta, estatizando-a de novo – que parece coisa de português.

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