Por carência de escolas naqueles cafundós de Piratini, foi minha mãe quem teve de me ensinar, em casa, as primeiras letras, quatro operações e tudo o mais que fosse necessário ao futuro Exame de Admissão ao curso ginasial. Também me ensinou, de lambuja, teoria musical, piano e uma novidade chamada datilografia. Apesar dos horários rígidos para freqüentar a aula, escola e lar viraram uma coisa só, de tal maneira que, para o resto da vida, associei “lição” com amor materno.
A primeira vez em que senti a emoção de transmitir a outrém os meus conhecimentos foi quando me toquei para o ginásio, em Pelotas, e tive como companheiro de quarto, na pensão da Dona Cecília, um guri vindo de Povo Novo – o Germano Pinho. Eu trouxera de Piratini um violão, cantava regularzito, e tive a idéia de formar um dupla com o Pinho, ensinando-o a tocar o pinho. Naquele mesmo ano estreiamos numa Hora do Calouro, da Rádio Pelotense, e ganhamos o dinheiro do 2o Prêmio. Da parte que me tocou, fui direto à Confeitaria Nogueira e saciei minha ânsia por empadas de massa folhada. Como professor, senti-me plenamente realizado!
Dez anos depois, já em Porto Alegre, no pioneiro CTG 35, surgiu-me a segunda oportunidade de lecionar. Foi quando o Paixão Côrtes e eu ensaiávamos a primeira Invernada Artística e transmitimos o conhecimento do Pezinho, do Anu, da Chula e das demais danças recém-descobertas. Hoje, quando o tradicionalismo já sapateia até no Japão e nos States, sinto-me novamente realizado como “professor”.
Mas o assunto de dar aulas só me apareceu como coisa séria, pra valer, em 1970, quando, na cidade de São Paulo, adquiri certo prestígio como planejador de campanhas publicitárias. Dessa época foi, por exemplo, uma peça que bolei para a indústria Brastemp e que me trouxe elogios do mestre Jorge Medauar em sua coluna jornalística: “Excepcionalmente boa a concepção desse anúncio. Com um texto limpo, claro, perfeito”. Por essas e outras, vim a ser convidado para assumir uma das cátedras do novel Instituto Superior de Comunicação Publicitária. Aceitei, assinei o contrato e rumei para a sala de aula, ansioso por levar luz ao segmento mais “prafrentex” da juventude universitária paulistana.
Nas primeiras aulas fui expondo uma espécie de Teoria Geral da Comunicação. Mas logo que chegou a hora de começar a mostrar, na prática, os segredos para o estabelecimento de um verdadeiro elo entre o produto e o consumidor. Então, nada melhor do que falar sobre o meu elogiado anúncio sobre um produto que era ainda relativa novidade no mercado. Veiculado especialmente para o Dia das Mães.
Mostrei o anúncio à rapaziada. Em destaque, a fotografia de uma máquina de lavar roupa. Título: “Dia das Mãos”. O texto começava assim: “Mãos que deram o primeiro alimento, arrimo aos primeiros passos, firmeza às primeiras letras.” E terminava indicando um belo presente capaz de tornar felizes -por libertá-las de uma das mais cansativas rotinas domésticas -as queridas mamães. Mas aí um dos rapazes me aparteou, friamente:
– Deixa disso, professor. Mãe “já era”.
Que choque! Saber fazer é uma coisa, ensinar é outra. Aqui se exigem, em doses certas, a sabedoria e a humildade, a perseverança e o amor. Pedi desculpas ao diretor e me fui. Fim de papo.
* Luiz Carlos Barbosa Lessa é jornalista, historiador, folclorista e escritor.