Nossa pequena trupe de shows tem em geral cumpri-do belas temporadas de casa cheia, justa recompensa para a dedicação e a competência de produção, técnicos e músicos. Repetimos há pouco um roteiro já feito no início do ano, desta vez com os teclados do Luiz Mauro Filho, passando por Curitiba (ótimo teatro, público e repercussão) e também por outra cidade próxima, até então desconhecida do Luiz. Teatro pequeno, público escasso, fatalidades de quem estica as turnês mais para o interior. No caso, como alguém já bem definiu, para a maior cidade do interior do mundo: São Paulo.
É um paradoxo pessoal eventualmente tocar para quatorze pessoas em uma cidade de quatorze milhões de habitantes. Outros têm e terão sorte bem diversa da minha, mas acho graça e prazer em marcar essa posição guerrilheira – são quatorze, sim, porém altamente qualificados, só a Ná Ozzetti na platéia vale por uns cento e quarenta. Sempre foi assim, e nunca deixei de gostar de São Paulo por isso. Ao contrário, só guardo boas lembranças de meses de gravação em Pinheiros e na Barra Funda, de porres no Bexiga, de manhãs no Ibirapuera, do grande comício das Diretas. E das padarias. Ah, as padarias de São Paulo. Café expresso, queijo minas quente, a Folha de S. Paulo na banca ao lado. Uma a cada esquina, padarias onde se almoça, se janta e até se compra pão, o que termina sendo apenas um detalhe.
Mas São Paulo não é bem a simpática Sampa, às vezes, e sim um ruidoso aglomerado de impossibilidades e números astronômicos, habitado por gente de todos os interiores: Piracicaba, Montes Claros,um pedaço do Nordeste, gaúchos extraviados, aqui e ali um paulistano para cumprir a exceção. Um povo que elege para prefeito, em seqüência, Jânio, Erundina, Maluf e Pita certamente não pode ser visto como uma unidade. E as estatísticas do crime, da violência policial, o massacre do Carandiru e outras barbaridades estariam melhor como peça de ficção do que como a notícia do dia comentada pelas esquinas em sotaque caipira.
Então foi o Luiz, em São Paulo pela primeira vez, ainda impressionado com a magnitude dos prédios e das multidões – foi o Luiz quem chamou a nossa atenção para um outro paradoxo, observação aguda e inusitada que só um estreante produziria. Estávamos encalhados no trânsito e na chuva fina, um colossal engarrafamento, como de hábito, e o motorista matava o tempo narrando recentes e espetaculares assaltos a bancos. Ele, então, o rosto colado na janela da van, pergunta: que assaltem, tudo bem, mas como fogem?
Como fogem os assaltantes de bancos, em São Paulo, se o trânsito é um eterno engarrafamento? Rimos muito, imaginando os Irmãos Metralha, com seus sacos de dinheiro, atropelados no crime perfeito pelo simples detalhe de que o carro da fuga não corre nem anda, se arrasta, letárgico, como aquela van em direção ao aeroporto. Rimos muito, na verdade com uma ponta de tristeza, com uma saudade porto-alegrense de um céu azul, de mais silêncio, de menos poluição, de engarrafamentos bem interioranos. E foi muito bom fugir – quero dizer, foi muito bom voltar pra casa.
Nei Lisboa é cantor e compositor