OPINIÃO

Eu avisei

Nei Lisboa / Publicado em 23 de dezembro de 1999

Brasileiro já é chegado numa festinha, qualquer motivo serve. O que dizer de um tríplice final de ano, século e milênio? Nem adianta sair pela rua gritando “peraí, gente, tá errado, é só em 2001”, você vai ser pisoteado na calçada em frente a C&A e ninguém vai escutar. E em se tratando do Século dos Excessos, bem, aí mesmo é que o baticum vai ser dos grandes. O Natal, Jesus me livre disso, vai ter perus do tamanho de avestruzes e gente estragando o panetone pensando que senta num pufe. O Robertão vai cantar “Emoções” tomado pelas próprias, e onde Deus vai enfiar as multidões do padre Marcelo? Já o reveillon, caindo numa sexta-feira, dá pra imaginar que não termine antes da segunda. Sem falar em Salvador, onde o carnaval é eterno de qualquer jeito. A Globo vai passar tudo ao vivo, é claro, com setecentas câmeras e igual número de duplas sertanejas. Com sorte, ali pela madrugada de domingo a gente vai poder flagar um estresse ou outro, a voz do Galvão em off dizendo “Pelé, você definitivamente não entende nada de futebol” ou a Xuxa acarinhando a filha com um “Sasha, se não calar a boca te mando pra outra lipoaspiração”. Nem vou falar na habitual violência e nas tragédias de fim de ano, ou nas previsões da Mãe Dinah, que vão sair em três volumes, cobrindo todo o próximo milênio. Já basta pensar no humilde caos pessoal e familiar de quem se decide a participar de tal festerê com a cara, a coragem e os juros do cheque especial. Indefesos, na grande maioria, diante da pressão das circunstâncias e das sogras, embora cientes da possibilidade de que, onde o milênio começa errado, tudo o mais possa ir também por cidra abaixo. E certamente vai faltar champanhe para tanta comemoração. Deve ter gente estocando cerveja desde agora, e o décimo-terceiro de quem ainda está empregado já tem destino certo: a geladeira, que há de ser pequena para as orgias programadas, donde conclui-se que também vai faltar gelo. Vai faltar peru, diante da ousadia de quem só recentemente foi autorizado a comer frango. Vai faltar vinho, refrigerante, castanha, nozes, vela, milho, cachaça, lentilha, viagra, compostura e Engov para amenizar uma megaressaca milenar. Ou seja, vamos partir direto do século dos excessos pro day after da escassez, da carência e da míngua. Se você prefere aderir, tudo bem. Mas quando acordar, dia três, suplicando por um litro d’água e uma aspirina, e descobrir que o vizinho do térreo esvaziou a caixa do edifício na piscina de plástico olímpica do Luquinhas e que todo o líquido que resta na casa é meio copo de sukita quente que alguém já usou como cinzeiro, pense em mim. Não vou estar localizável, a pensão da Grünshen no interior de Igrejinha não tem telefone. Mas meu espírito natalino estará intacto e elevado, transmitindo uma pequena mensagem de solidariedade para essa hora difícil: – “Eu avisei”. Guarde a sukita. Pode ser que no próximo dezembro, ao assumir o erro, eles queiram fazer tudo de novo. E – vou falar sério antes que esqueça – um feliz Natal, ótimas festas e um próspero ano 2000 para todos vocês.

*Nei Lisboa é cantor e compositor

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