Deu no jornal: a França confirma o interesse brasileiro no porta- aviões Foch – em serviço desde 1963 – e avisa que, se não for o Brasil a comprá-lo, o navio será transformado em museu. Fantástica notícia. Fica claro que a gloriosa armada nacional decidiu investir pesado em cultura, arrematando um museu francês inteiro e sequer inaugurado. O Louvre, próximo passo, vai ser barganha fácil, haja vista a velharia obsoleta ali exposta.
Também é possível que o Foch venha a cumprir aqui seus últimos anos de vida útil, abrigando no convés os vinte caças Skyhawk que compramos do Kwait em 1998, com um passado no mínimo intrigante. Originalmente projetados para uso em porta-aviões, haviam sido adaptados para pouso em terra por solicitação do Kwait à norte- americana Douglas, ainda nos anos setenta. Como a marinha brasileira os queria para o porta-aviões Minas Gerais, tiveram de ser readaptados ao desenho original, décadas depois de o modelo sair de linha e com a Douglas já tendo fechado as portas, absorvida pela Boeing. Na época da compra, foram assim avalizados pelo especialista militar inglês Ken Petrie: “Não sei bem quem são os inimigos do Brasil, mas esses aviões podem ser úteis no combate ao tráfico de drogas”.
Às vezes também fica difícil saber quem são os amigos do Brasil, e mais difícil ainda é imaginar um porta-aviões embrenhado em plena selva amazônica, combatendo o narcotráfico na fronteira com a Colômbia. O Minas Gerais, comprado por JK em 1956 e agora ameaçado de aposentadoria pelo Foch, ao que se sabe só entrou em ação para colocar Porto Alegre sob ameaça de ataque, ancorado ao largo da costa durante a campanha da Legalidade. Desde cedo foi chacoteado na música de Juca Chaves, trazendo o seu valor em cruzeiros bem à vista: “Brasil já vai à guerra / comprou porta-aviões / um viva pra Inglaterra / de oitenta e dois bilhões / mas que ladrões.”
Tudo isso, no entanto, é café pequeno perto da construção do primeiro submarino nuclear brasileiro, projeto sem prazo nem orçamento definidos que já consumiu 700 milhões de dólares antes mesmo de sair da prancheta. Menina dos olhos do almirantado, que ninguém ouse questionar o sigilo em torno da empreitada e muito menos a utilidade de um submarino nuclear para o país. A segurança nacional em primeiro lugar, marujo. Nunca se sabe o que esses índios do Equador vão aprontar em seguida. Isso sem falar nos argentinos. Isso sem falar nos brasileiros. Talvez o submarino ajude a combater o narcotráfico nas favelas do Rio de Janeiro.
A França é o país mais amigo de nosso presidente, então não vamos brigar por causa de alguns trocados – que venha o porta-aviões Foch, ora bolas. Agora que encaminhamos de forma definitiva as questões estruturais da economia e todos os índices do governo passaram a ser positivos, é hora de se ter um convés grande o bastante para a corte bailar seu carnaval. E o marketing de lançamento já está pronto: é só botar na frente da câmera um desses insistentes miseráveis sem teto, sem emprego, sem dentes – que passam a vida a ver navios – e perguntar pra ele se viver no Brasil é ouro, prata ou bronze. Pode crer que ele responde: é foch.
*Nei Lisboa é cantor e compositor