OPINIÃO

Brasil, 14 mil anos

Barbosa Lessa / Publicado em 21 de maio de 2000

Moro no meio do mato, no interior de Camaquã, e é crescente o número de pessoas que aqui aparecem com a desculpa de me fazer uma visita mas, na verdade, tentando comprovar se é mesmo possível um civilizado viver longe dos maravilhosos agitos da modernidade urbana. Outros visitantes têm objetivo diverso. O professor Henrique Fensterseifer chegou com alguns colegas geólogos e botânicos da Unisinos e simplesmente pediu para ficar por dois ou três dias farejando a natureza. A moçada da casa do Poeta Camaqüense costuma aparecer em busca de inspiração para novos poemas. E recebo a todos com naturalidade.

Mas, há duas semanas, fiquei sem saber o que fazer com um desconhecido, o senhor Jecupé. Morenão, aparentando seus 35 anos, desembaraçado e bem falante. Reside na cidade de São Paulo, onde esteve trabalhando como consultor de costumes na equipe da novela A Muralha. Mas pouco pára na capital paulista. Começou pronunciando conferência na Universidade de Oxford, Inglaterra, em 1996, e na Universidade de Stanford, Estados Unidos, em 1997, e de lá para cá, sob patrocínio da Fundação Odebrecht, tem percorrido infatigavelmente o Brasil numa empolgante jornada de resgate e valorização da cultura indígena. Lançado pela Editora Fundação Peirópolis, SP, já está em 2a edição seu A Terra dos Mil Povos – história indígena brasileira contada por um índio. Sim, ele é índio puro, da etnia Txucarramae. Seu nome completo: Kaka Werá Jecupé.

Ele não pôde se demorar no meu sítio, pois já tinha horário determinado para sua conferência no Teatro Coliseu, na cidade, e em seguida teria de retornar a São Paulo, para terminar a produção de um vídeo sobre as expectativas dos jovens índios em relação ao futuro do Brasil: A Carta do Caminho. Lá se foi ele, deixando-me trancada na garganta a pergunta que desde o começo eu queria lhe fazer: se conhecia, ao menos de nome, o senhor Nordwall.

Adam Nordwall, pertencente à tribo norte-americana dos Chippewa, em 1973 vivia nas imediações de São Francisco e já vinha tonto com o assédio decatequistas e outros porta-vozes da “verdadeira civilização”, inconformados com sua convicção de amar a natureza como um bem maior da humanidade. Nordwall também resistia à idéia de que em 1492 Cristóvão Colombo houvesse “descoberto” a América, ignorando civilizações locais com milhares de anos e teimando em considerar índios como uns pobres animais selvagens. Então, em setembro de 1973 – num passado relativamente recente – tomou um avião em São Francisco e, com cocar de índio e o que mais pudesse caracterizá-lo como autêntico americano, foi desembarcar em Roma. Para a imprensa, que acorreu ao aeroporto semi-escandalizada, declarou: “Vim descobrir a Europa, para que vocês passem a respeitar o que nossos ancestrais nos legaram com tanta nobreza”.

Pois o que eu queria dizer ao senhor Kaka Werá Jecupé é que ele não canse sua beleza com um mundo de eventinhos sem maior repercussão e que, com patrocínio da Odebrecht e de empresas para as quais já produziu workshops, como a Sadia e a Xerox, vá direto descobrir Portugal, numa retribuição à homenagem a Porto Seguro pelos 500 anos. Se gritar, em Lisboa, que temos no mínimo 14 mil anos de respeitável resistência – comprovados pelos mais abalizados arqueólogos, o mundo inteiro ouvirá e vai baixar a bola. Mas que planeje tudo direitinho. Inclusive com um desfile de modas onde possa lançar, para este verão europeu que está se aproximando, algo mais sensacional que o top-less: o tetenandí, corpo pelado.

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