OPINIÃO

O sabor em conta-gotas

Barbosa Lessa / Publicado em 16 de julho de 2000

Nascido na modesta vila de Piratini, no final dos anos 20, venho de um cenário em que faltavam escolas e onde a classe do magistério era representada somente pela Da. Chiquinha Pellegrino ou pela Da. Maria Motta, ou por mais algumas outra rara moça formada em Escola Normal. Mas isto não quer dizer – absolutamente não – que faltassem professores. Meu irmão Paulo, por exemplo, cinco anos mais velho do que eu, sentia-se na obrigação moral de transmitir tudo o que pudesse me ser útil na vida diária. Informalmente, também os avós ensinavam aos netos, as mães às filhas, e nesse mexe-mexe a sabedoria popular ia se espalhando entre os compadres, os vizinhos, os companheiros de luta. Lema coletivo: “o saber não ocupa lugar”.

Provérbios como esse – nós chamávamos “ditados” – se constituíam na base de toda a pedagogia popular. Frases curtas, ritmadas, geralmente em sete sílabas, fáceis de gravar na memória. Algumas, de validade incontestável. “A voz do povo é a voz de Deus”. “A dor ensina a gemer”. “Cada um dá o que tem”. Você, jovem leitora ou leitor, por acaso já algum dia ouviu uma dessas velharias? Pergunto, porque duvido muito que alguém, hoje, tenha tempo a peder em casa ou na internet com a repetição de tais ditados de outrora. “O que passou, passou”.

Cumpre assinalar que os provérbios não eram transmitidos à toa, a qualquer hora, só por dizer. Sempre estavam relacionados com uma situação específica, com um fato do momento, com algo concreto, para que não ficassem boiando à solta. Eram um complemento da realidade. Em situações futuras, quando a realidade se repetisse, o adágio seria imediatamente relacionado àquele fato. “Vivendo, e aprendendo”.

Outra característica era a universalidade. É claro que não faltavam as contribuições locais, legadas por velhos campeiros. “Ovelha não é pra mato”. “Amarra-se o burro à vontade do dono”. “Freio de ouro não melhora o cavalo”. Mas a maior parte dos ensinamentos nos chegavam de qualquer parte do mundo, sem restrições geográficas. “Roma não se fez em um dia”. “Quem tem boca, vai a Roma”. O lugar ao certo a gente talvez nem soubesse onde ficava; mas, tendo boca, se ia.

Hoje me chama atenção o fato de que andei estudando em grupo escolar, ginásio, curso colegial, Faculdade, formei-me em Ciências Jurídicas e Sociais, fiz cursos especiais de Comunicação e Marketing, e esqueci quase tudo o que me ensinaram como teoria formal. Mas, em plena terceira idade, ainda guardo fresquinhas na memória aquelas lições que, desde a meninice, fui captando da voz do povo. Por que será? Acho que sei. “O que é do home, o bicho não come”…

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