OPINIÃO

O ponto de ruptura

Luis Fernando Verissimo / Publicado em 8 de novembro de 2000

Não me lembro de título, diretor, nada. Era um filme italiano com o Mastroianni. Faz anos. O Mastroianni tinha uma obsessão: vivia enchendo balões até que rebentassem. Precisava descobrir o ponto exato que antecedia a ruptura dos balões, o exato ponto em que um sopro, um hálito a mais faria o balão estourar na sua cara. E é claro que só descobria até onde podia soprar depois que o balão estourava na sua cara. O ponto exato era o que antecedia o estouro, só podia ser descoberto quando não adiantava mais nada. Você só sabe até onde pode ir quando já foi.

Também não me lembro que uso simbólico fazem, no filme, dessa atormentada obsessão do personagem, nem como ela se encaixava na trama. Devia ter algo a ver com nossa relação com o tempo e o autoconhecimento. Afinal, nossa biografia só faria sentido para nós depois de nossa morte, literalmente depois do último hálito, quando nada mais faz sentido para ninguém. A trama certamente não terminava bem. Desconfio que o Mastroianni morria no fim, não de filosofia de mais mas assassinado por alguém aos gritos de “Pare com esses malditos balões!”. Não sei.

Às vezes acho que o Congresso brasileiro está atrás do mesmo ponto de ruptura, do mesmo limite de até onde pode ir. O que você e eu chamamos de desfaçatez seria, na verdade, uma busca ontológica de últimas verdades, sobre eles mesmos e sobre a capacidade do saco nacional. Mas só vão descobrir que foram longe demais quando for tarde demais. Não há perigo aparente de ruptura institucional como antigamente. Mas pior que um estouro na cara deve ser a lenta degradação até a desmoralização terminal do legislativo – ou seja, da democracia – entre nós. Vá lá que seja apenas uma especulação filosófica ou um teste de resistência de materiais. Devem encerrá-la imediatamente. O ponto máximo está próximo. Já encheram o bastante.

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