Chiapas, 22 fev.
Faz uma semana desde que saí para comprar cigarros depois de um show em Passo Fundo e me vi envolvido no tiroteio entre narcotraficantes e agentes da CIA. Deixo pra depois os detalhes do vôo até a Colômbia e da escapada pela selva. Resolvi escrever este diário para que saibam sobre meus últimos dias, no caso do pior acontecer. Ou para que sirva como coluna para o Extra Classe de março, que já está atrasada, no caso de eu conseguir comunicação com o exterior. Devem estar pensando que é preguiça, ou que eu estou sem tempo por causa da gravação do disco. Rá. Quem me dera. A causa indígena é emocionante, mas não agüento mais tortillas de tapioca. Assim que cheguei aqui, fui presenteado com um fuzil, um boné e a notícia de que vamos tomar de assalto a Cidade do México. Tentei acalmar os ânimos e fazê-los desistir dessa loucura, mas fui detido e levado à presença do subcomandante. Sugeri que em vez do ataque se fizesse uma marcha pacífica até a capital. Não respondeu nada, mas pelas baforadas do cachimbo deu pra ver que ficou pensando no assunto. Se aceitarem e chegarmos breve em algum lugarejo com fax, talvez eu consiga enviar a coluna a tempo.
San Tarantino, 02 mar.
Toparam a minha idéia da marcha, u-lá-lá, mas com um roteiro que mais parece uma volta turística da Soletur. E, coisa estranha, esconderam o subcomandante no fundo do ônibus e me puseram bem na frente, com a máscara e o cachimbo dele. Desconfio que vou ter que aprender a discursar em espanhol. Como ainda não achei um fax, pelo jeito a coluna de março não vai sair. Cada vez que me fotografam, levanto o braço com o punho fechado. Se o editor vir a foto e me reconhecer, talvez entenda que é pra segurar o fechamento.
Cidade do México, 20 mar.
A marcha foi um sucesso, embora a lei dos direitos indígenas não tenha saído. Ninguém suspeitou que era eu, e não o subcomandante, por trás da máscara. Até eu me convenci. Tem algo meio estranho no fumo desse cachimbo. O pessoal agora me trata como herói e quer que eu seja efetivado como sub-subcomandante. Não posso. Tenho um disco pra gravar. Não agüento mais tortilla. Pedi pra me liberarem e pra passarem um fax pra mim, senão perco o fechamento do Extra Classe de abril e aí sim arrumo uma guerra. Tenho que contar tudo isso ao editor, ele nem vai acreditar. E tenho que pedir desculpa aos leitores, por não ter enviado a coluna de março. Acho que vão entender, todo mundo sabe o risco que é sair pra comprar cigarros depois de um show em Passo Fundo.