Meu pai tinha um amigo, nascido na Espanha, que culpava tudo no papa. Seria apenas uma amostra do anticlericalismo tipicamente espanhol se ele não atribuísse ao Vaticano também as pestes e os desastres naturais, além de todos os seus problemas pessoais. Não quero parecer o amigo espanhol e dizer que até o mau tempo é culpa do neoliberalismo – se bem que, sei não, El Niño não apareceu depois do Consenso de Washington? – mas a vaca louca é.
Foram os métodos de criação uniformizados e de grandes volumes impostos pela indústria de carne globalizada que acabaram com a pecuária tradicional e transformaram o gado europeu em carnívoro, e sua ração, feita com restos animais, em transmissora do contágio. Este é um caso em que os pastorais nostálgicos e ambientalistas românticos tinham razão.
Já a indústria farmacêutica serve de exemplo para qualquer argumento, a favor ou contra o culto ao lucro como motor da felicidade. A favor: se não fosse o fato de ser o terceiro melhor negócio do mundo, depois do petróleo e das drogas ilegais, a indústria de drogas legais não investiria o que investe em pesquisa e em novos produtos, inclusive alguns dos que me mantêm vivo (tudo, no fim, é vaidade). Contra: a competição e a rentabilidade que estimulam a eficiência e a criatividade da indústria também a transformam no maior exemplo mundial de amadorismo capitalista, da precedência do mercado sobre os escrúpulos. Não só concentrando seus negócios no mundo rico, onde gasta muito mais em publicidade e propina do que em pesquisa, mas cobrando mais no mundo pobre do que cobra no seu mundo e ainda sabotando as tentativas dos pobres de criarem alternativas baratas para suas patentes, como no caso do tratamento para Aids no Brasil e na África. Muitas das patentes comercializadas pela grande indústria farmacêutica nasceram de pesquisa do governo americano financiadas com dinheiro público, o que acrescenta uma boa dose de hipocrisia ao ideal liberal do Estado que não atrapalha.
Enfim, você não precisa ser espanhol para dizer que nem tudo é culpa do neoliberalismo, como nem tudo é culpa do papa, mas que o prontuário é longo assim mesmo.