Espanto! Esta talvez seja a palavra que mais se aproxime do que eu senti ao ler a matéria de capa do Caderno B de domingo, dia 06 de maio, assinada pelo jornalista Sérgio Rodrigues e intitulada Versos no Ventilador.
Adianto-lhes que o que me causou espanto não tem nada a ver com o conteúdo da matéria, isto é, com a discussão do concurso Miss Poema para integrar à coletânea de Ítalo Moriconi – Os cem melhores poemas brasileiros do século, mas sim o equivocado suporte conceitual de onde o texto parte: “Não é sempre que a poesia, arte de sublime inutilidade, ocupa o centro do palco”.Ora, considero esta afirmativa uma barbaridade, para dizer o mínimo. Tenho uma vida totalmente dedicada à poesia, e me deparo, em meio aos mais de 150 espetáculos poéticos que faço por ano, com a sublime utilidade dela. Ao meu ver, a poesia é uma espécie de aula básica filosófica prática, cujo assunto pode ser tudo. E, para mim, tanto no Brasil como no mundo, ela está sempre no centro do palco.
O que o poeta faz? Usa o seu olhar de observador ininterrupto do universo e submete este cotidiano a sua lupa. É o olhar do poeta que amplia os ciscos, que define as linhas das sombras, que explica os grandes motivos escondidos nas pequenas ações, é o verbo que esclarece. Lembro-me de um poema do Ferreira Gullar chamado O Açúcar, onde o poeta parte de uma cena matutinamente banal e simples que é a colher de açúcar com a qual se adoça o café pela manhã. Pois é dessa displicente colherinha de açúcar, numa manhã em Ipanema, que o poeta se serve para nos levar a uma verdadeira lição sobre a produção da cana-de-açúcar no país, o trabalho escravo infantil, a trágica condição dos nossos trabalhadores do campo e o perverso código sócio-econômico brasileiro. Costumo dizer O Açúcar em recitais nas escolas e acho que este poema deveria integrar o programa curricular, tamanha sua utilidade na formação e informação da criança e da juventude brasileira. Como esse, há muitos. Tudo é assunto de poesia e, arte que não é útil é a que não serve para nada, e há dentro de cada gênero, produtos úteis e inúteis. A poesia que não serve para nada é vaidosamente feita para que ninguém entenda, para que morra elitizada entre poucos; aquela poesia onanista cheia de códigos fechados, que só faz gozar ao seu autor e aos seus poucos amigos “iluminados”. Vou mais longe. Há bons poemas que se tornam inúteis ao serem declamados, ao serem aprisionados por uma musicalidade oral tola, impostada e viciada na melodia eterna de “batatinha quando nasce”. (continua na próxima edição)