Ironia é como onda de rádio, se não encontrar um receptor adequado, se perde. Não adianta você escrever com ironia se não é lido com ironia, e o desencontro pode ser perigoso. Uma vez escrevi que a solução para o Brasil era eliminar o povo, único responsável pelos nossos maus índices sociais. Sem o povo e sua miséria seríamos um dos países mais adiantados do mundo. Recebi uma carta de um leitor que entendia que eu estava brincando quando falava em “eliminar” o povo, o que seria uma impossibilidade, mas me cumprimentando pela coragem: finalmente alguém apontava o dedo para os verdadeiros culpados pela nossa situação. Outra vez escrevi que o Movimento dos Sem-Terra tinha cometido o pior crime que um movimento de reivindicação social poderia cometer, que era se organizar e agir, e não faltaram leitores me chamando de insensível e reacionário. Estes pelo menos são desentendimentos sinceros, devidos à falta de discernimento ou senso de humor. Também há os que lêem o que querem, não o que você escreveu, ou lhe atribuem posições que você não tem, mas aí já passamos para a falta de outra coisa.
Muitas vezes a culpa pelo mal-entendido é de quem escreve, e tem a mínima obrigação profissional de ser claro. Mas uma mínima, também, colaboração do leitor é indispensável. Talvez a solução seja fazer como naquele filme americano, uma comédia cujo título eu não vou me lembrar, em que de repente um dos atores interrompe a ação e começa a recitar um texto filosófico e inspirador enquanto na tela aparece, em flashes, a palavra “mensagem, mensagem”. Algumas publicações ainda encabeçam seções de cartuns ou textos com a palavra “humor”, que é para o leitor não ter dúvidas. No fundo, a culpa é destes tempos confusos em que é difícil saber o que é gozação e o que não é, e que mensagem esperam que a gente entenda. Quem nos assegura que esse último decreto do governo, mais um passo no nosso amargo regresso às relações capital/trabalho do século 19, não seja uma peça de fina ironia com a nossa cara? Ou então levaram a minha sugestão a sério e decidiram-se pela eliminação do povo, só que agora sem gradualismo.