OPINIÃO

Coqueiros, vitórias-régias e tamanduás

Nei Lisboa / Publicado em 18 de abril de 2002

Cruzei o luto de seis meses das torres gêmeas lendo o “11 de setembro”, do Noam Chomsky, coletânea de entrevistas do dito nas primeiras semanas pós-hecatombe. Como já conhecia o posicionamento dele, e me julgava mais do que ciente do papel imperialista dos EUA nos últimos séculos, achei que nada ali iria me impressionar ou surpreender muito. Ledo engano. Chomsky parece dedicar-se não apenas a pensar com coragem e com clareza mas também a colecionar fatos, dados estatísticos, retóricas e atitudes alheias que lhe permitem embasar uma argumentação de forma cristalina e virtualmente irreparável. Qualidade preciosa, imagino, para quem se vê bombardeado pelo neoufanismo cego do debate mediático e intelectual norte-americano.

Aprecio muito no discurso dele a intenção explícita de que algo resulte, o dom militante, embora de aparência desapaixonada, equilibrado e carinhosamente implacável. Parece centrar-se em um fundamento bem simples, o de que boa parte das questões da espécie humana estariam bem encaminhadas se os norte-americanos refletissem seriamente sobre por que, afinal de contas, são tão odiados na Via Láctea. Nada é impossível, parece murmurar para si, enquanto ordena pacientemente as idéias, luzes e espelhos voltados para a platéia.

Gosto de pesar opiniões contrárias, também, outros ângulos sob os quais é visto esse sentimento antiamericano disseminado mundo afora. Fã da psicanálise que sou, li com o maior respeito os artigos do Contardo Calligaris na Folha de S. Paulo, desvendando a patologia inerente ao fundamentalismo muçulmano, uma abordagem que talvez possa ser transposta para o resto do terceiro mundo. Posso aceitar até certo ponto e valorizar a idéia de que a sociedade norte-americana muito nos tenha ensinado a respeito de liberdades civis. Posso até entender a histeria do Gerald Thomas, com o prato encalhado no “meu país, meu país”, vagando entre os escombros do WTC.

O que não posso é descartar a lista de invasões, intervenções e bombardeios discricionários dos EUA ao redor do mundo, desde a conquista do México, Havaí e Filipinas, do Vietnã ao Iraque, da Nicarágua ao Sudão, Síria, Cuba, Afeganistão. Os EUA, como bem define Chomsky, sempre foram líderes do terrorismo de estado, apoiando governos ditatoriais na Argélia, Timor Leste, Grécia, Turquia, patrocinando golpes de estado por toda a América Latina, produzindo milhões de mortos nesse processo, sempre em prol de seus interesses econômicos e nada mais. Os EUA, lembra ele, foram o único país a ser condenado pela Corte Mundial por “uso ilegal da força”, em 1986. Ao desdenharem solenemente da sentença, prosseguindo com a matança na Nicarágua, o Conselho de Segurança da ONU “passou a discutir uma resolução determinando aos Estados que observassem as leis internacionais. Os EUA, e tão-somente eles, vetaram a resolução”.

Sei que o radicalismo cego, nos trópicos, às vezes confunde coqueiros, vitórias-régias e tamanduás. Mas com quatro enormes patas, dois orelhões, uma tromba e um enorme coldre amarrado na cintura, estamos definitivamente falando de um elefante, e de um elefante muito perigoso.

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