OPINIÃO

A bolsa e o frango

Nei Lisboa / Publicado em 17 de agosto de 2002

Então é Ciro Gomes a grande novidade desta etapa da campanha eleitoral, atropelando o candidato governista com uma ascensão vertiginosa em questão de semanas, e já ameaçando a tranqüilidade de Lula na liderança da corrida presidencial. Meus parabéns, Ciro e Patricia. Muito embora tudo possa reverter rapidamente, do mês que vem só se sabe que passa um trem. E talvez venha Serra acima de novo, embalado pela máquina do governo, pelo horário eleitoral, pelo escândalo da hora, por aquelas forças ocultas e nem tão misteriosas que conjugam a capa da Veja com súbitas disparadas nas pesquisas do Ibope.

Ciro Gomes parece mesmo carregar um apelo – além de uma namorada – irresistível no seu charme pós-harvardiano, naquele tom paternal e didático de equacionar todos os problemas macroeconômicos como quem recorre ao simples bom senso para ditar uma receita de risoto de frango infalível. É aquela conhecida combinação de soberba tecnocrática (só eu sei fazer direito) e uma humanidade comovente (faço por amor e abnegação) com eventuais escorregadelas na baixaria (quem não acredita que vá à pqp), relativizada pelo tom costumeiro das campanhas eleitorais. Queiram ou não, é uma destituição da Política, uma tentativa de reduzir os conflitos de interesse dentro de uma sociedade a meras questões de competência, de trabalho árduo, de suposta inteligência e hombridade. Queiram ou não, também, é a cara de um novo Collor, que evidentemente teria de ressurgir com mais refinamento, sem os supositórios e o batuque da Casa da Dinda, e com a suprema credibilidade de ter sido por alguns meses aluno-ouvinte de economia numa universidade dos EUA.

Pois é a economia, dizem, que decide nosso futuro, somente ela, com vida própria e distante do anacronismo de ideologias políticas sempre atadas a distúrbios institucionais, retaliação externa, carroças, gafes e vexames do terceiro mundo. Esse é o ponto de partida de Ciro, que não questiona o modelo, ao contrário, oferece-se como o seu melhor gerente. É o tipo de discurso sob medida para um público credulamente apavorado, soterrado pelo economês indecifrável que domina o noticiário, tentando entender o que a bolsa de Nova Iorque tem a ver com o frango que sumiu do refrigerador. Ciro Gomes explica, comparando o mercado internacional do dólar com o da banana, em Birigüi. Ciro Gomes diz que hedge é papo-furado. Ciro Gomes entende de coisas difíceis, mas fala a língua da gente. Ciro Gomes tem a solução, e promete que vai trazer o frango e o risoto de volta consertando o refrigerador.

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