Parábola. Um dia, os bichos começam a falar. O primeiro caso é num abatedouro, onde um boi, na fila para ser abatido, subitamente começa a gritar “Não! Não!”. Grande consternação. A fila pára. O abate é interrompido. O que fazer? Decidem que foi uma ilusão. Que um boi fez “mu” e soou como “não”. Mas assim que a fila recomeça a andar, ouve-se novamente, com toda a clareza, o grito. “Não! Não!” Nova interrupção. O caso é levado à direção do abatedouro. Depois de alguma deliberação, decidem que nada, realmente, mudou. O fato de falar não significa que o boi deixou de ser boi, ou que o negócio do abatedouro deixou de ser o de abatê-lo. E, mesmo, é só um boi, que sabe só uma palavra. E não há, afinal, muita diferença entre “Não” e “Mu”. O abate deve continuar.
No dia seguinte, outro boi grita não apenas “Não! Não!” mas “Socorro!” e “Me tirem daqui!” O abate continua. Mas no dia seguinte mais dois bois se manifestam e um deles, além de “Não!” e de “Socorro!”, grita “Vocês não podem fazer isto!”. É demais. O abate é interrompido por tempo indefinido. A notícia dos bois falantes se espalha, e logo surge a informação de fenômenos parecidos em várias partes do mundo. Porcos se rebelando contra o seu sacrifício com gritos de “Parem!” e “Injustiça!”. Ovelhas queixando-se ruidosamente do frio depois da tosquia e também tentando dissuadir seus abatedores com protestos e imprecações. Galinhas fugindo dos seus executores e insistindo, freneticamente, para serem ouvidas. E o pior é que bois, porcos, ovinos e galinhas são persuasivos. Se apenas falassem, seriam apenas curiosidades. Mas não: são articulados. E – surpresa – têm uma noção muito precisa da sua condição e dos seus direitos. Só lhes faltava a voz. E, claro, a retórica.
Um filósofo, lendo a respeito da rebelião, especula em voz alta que o ser humano terá que mudar sua dieta, diante da nova realidade de bichos com argumentos. E ouve uma voz aos seus pés que diz:
– Não apenas a dieta, não é, professor?
O filósofo descobre que quem falou foi seu cachorro, que passa a discorrer sobre todas as mudanças de comportamento, de presunções e velhas certezas, a que a espécie humana se obrigará, ao descobrir que não tem o monopólio da linguagem, e portanto da razão e do poder. Ao que o filósofo tem que concordar.
E a rebelião não pára. Vem a notícia de que um repolho, ao ser arrancado da terra, gritou “Ai!” e pediu para falar com um advogado.