O conselho que George W. Bush recebeu do escritor alemão Günter Grass e obviamente ignorou, o de que consultasse um psicanalista ao invés de invadir o Iraque, é o máximo de delicadeza que se pode ter hoje com essa figura. Adjetivado mundo afora como imbecil, mentiroso, prepotente, patife e assassino, o dito cujo dá mostras de ser também totalmente surdo. Mesmo que o Analista de Bagé se apresentasse para a tarefa, ela seria infrutífera.
George W. Bush não existe, propriamente. De certa forma, é uma virtualidade, um efeito especial. O imáginário norte-americano está impregnado de super-heróis e supervilões, embalado por um século de belicismo predatório atroz, pleno de auto-indulgência, laureado em bilheterias de cinema-propaganda da pior espécie. Dentro disso, anunciar a figura do Presidente dos Estados Unidos (com aquela solenidade em que se pode ouvir as maíusculas), do maior entre os maiores, do regente do Bem e juiz da Humanidade é silenciar a todos na presença de Deus. Pouco importa se o sujeito em questão é um caipira tosco e truculento ou dedicado a inocular charutos em estagiárias. Tal civismo messiânico dispensa a realidade, a autocrítica, o nosso riso incrédulo. Contanto que continuem a lhe prover de orgulho fátuo, casa própria e penduricalhos tecnológicos estará sempre pronto para fechar os olhos e guerrear quando chamado.
O ponto em que quero chegar é que satanizar o Bush, ou incluir aí os seus falcões, ou mesmo a coalizão da direita religiosa que com ele governa é subestimar o problema que teremos que enfrentar daqui para a frente se desejamos uma ordem mundial mais justa e pacífica. Fosse um caso isolado, uma só gestão da Casa Branca, vá lá. Mas os Estados Unidos vêm produzindo cadáveres e miséria ao redor do planeta desde que o Cauby Peixoto era guri. Não há como deixar-se de questionar de forma ampla a sua população, a sua cultura, os seus tão propalados valores. A indústria armamentista, os interesses das grandes corporações, esses serão sempre os primeiros beneficiados e protagonistas diretos da baixaria. Mas quem lhes dá apoio e lhes legitima essas cruzadas décadas afora? E por quê, ou por quanto?
É obvio (preciso dizer isso?) que excluo desse diagnóstico o Bob Dylan, o Michael Moore, o criador de Os Simpsons e mais uns cem milhões de norte-americanos que certamente não pactuam com essa situação. É óbvio (isso também?) que alimentar um ódio cego pelos EUA, negar o que de maravilhoso ali já se produziu e se produz, ou incitar qualquer tipo de vingança violenta não é caminho para outra coisa senão para a continuidade do que está posto. Mas também parece claro que, para que o resto do mundo deixe de pagar o pato, uma transformação cultural em escala tem de acontecer por lá. Talvez, como sugeriria o Günter Grass, com o auxílio de um divã do tamanho do Grand Cannyon.