Uma frase que certamente não ouviremos mais – junto com “Madame, sua liteira chegou” e “Quem é o center-forward do scratch?” – é “Trabalhadores do mundo, uni-vos”. Os trabalhadores do mundo sofrem com a grande perversidade da globalização, que abriu as fronteiras nacionais para empregadores atrás de mão-de-obra barata e desregularizada, mas não para eles. Trabalhadores do mundo rico são prisioneiros das suas vantagens, e, por ganharem muito, não podem competir com os trabalhadores do mundo pobre, que, por sua vez, não podem ser solidários com suas reivindicações de tarifas altas para proteger seus empregos, pois perderiam os seus. Nenhuma solidariedade é possível num mundo em que o capital vai atrás do lucro onde quer que este vá, e o único internacionalismo permitido ao trabalho é esse tráfego tétrico de empregos exportados cruzando com desemprego importado.
Economistas neoclássicos dizem que o exercício continuado do livre comércio dará razão ao clássico David Ricardo, que, no século XVIII, teorizou que estados nacionais, explorando suas respectivas vantagens em recursos naturais, em capacidade industrial e em mão-de-obra, acabariam se complementando e todos ganhariam com isto, inclusive os trabalhadores, no melhor de todos os modelos econômicos possíveis. Mas num recente artigo para o Herald Tribune, William Pfaff lembrou que o “Ricardão” tinha outra teoria, que chamava de “a lei férrea dos salários”. Para Ricardo, mesmo no melhor dos mundos teóricos, os salários tenderiam a se estabilizar ao nível da subsistência mínima, já que o trabalho é um recurso universalmente disponível e infinitamente substituível.
A organização do trabalho a partir do século XIX e o crescimento dos sindicatos pareciam desmentir o fatalismo de Ricardo, pois os trabalhadores, aos poucos, deixaram de ser o lado indefeso do modelo ideal. A legislação social, em maior ou menor grau, nos países industrializados – ou em países como o Brasil, em que a legislação precedeu a industrialização –, inviabilizava a teoria de Ricardo, pelo menos teoricamente, e retirava as condições para a confirmação de sua lei férrea. Segundo Pfaff, a globalização está restaurando essas condições. O trabalho organizado está perdendo a sua força até em países como a França e a Alemanha, onde sindicatos e movimentos sociais sempre tiveram grande participação política, e a receita para “responsabilidade” econômica aqui no quintal passa pela flexibilização de leis trabalhistas e de outros eufemismos para roubar do trabalho o seu poder de barganha. Trabalhadores do mundo inteiro, hoje incapazes de se unir, só têm a perder uns 200 anos de luta, mais ou menos. Para Pfaff, o pensamento de David Ricardo estava tristemente certo, foi apenas um pouco prematuro.