Ofuscado pela exagerada homenagem prestada aos sessenta anos desse compositor obscuro de nome Chico Buarque, um episódio vital para o país passou-se quase em segredo. Dele só me tornei ciente porque, zapeando ao léu na TV, dei de cair por instantes em um programa de auditório. E eis que ali se apresentava, com seus tríceps e dragões tatuados, o grande Alexandre Frota, mítico imperador de todos os hunos tropicais celebrizados, excelso soberano do novo sexfunk do subúrbio, Jeová em pessoa – e inacreditavelmente Ele hesitava em responder a uma pergunta do apresentador. Ora, por Tutatis, balbuciei estupefato, que pergunta poderia ser essa? Que espécie de dúvida atravessaria toda a extensão reflexiva de tal ser sem receber de imediato, em retorno, o apontar do caminho e da verdade para os súditos?
“Com quantas mulheres você já esteve?” – ainda bem o apresentador repetiu, e aí compreendi que não se tratava propriamente de uma dificuldade de ponderação ou falta de conhecimento. Apenas estava, o Grande Alexandre, a contabilizar uma eternidade de cópulas, festins, concúbitos e similares que, convenhamos, não se encontraria mortal que as inventariasse com maior presteza. Suspensa no ar, tal como a respiração da platéia, a resposta tomou ares de oriental sabedoria antes de revelar-se também na forma de um questionamento: “Sei lá… umas setecentas, talvez?”
Então, “Óóóóó…”, deixou-se exclamar a platéia, e não se distinguiria nesse clamor júbilo ou desprezo, de fato. Compreendi de imediato que, fosse a cifra algumas centenas mais modesta ou um milhar mais abrangente, produziria a mesma reação. O choque, o espanto, a comoção se davam apenas pela inexatidão da resposta, percebem? Se Ele houvesse dito “até este momento, 698” ou mesmo “estou em dúvida entre 704 e 705, por conta de umas siamesas”, tudo estaria bem. Mas o que resta de esperança, qual zênite de fé mirar quando a memória de Deus já não consegue abarcar cada ovelha de seu rebanho? Ou, posto de outra forma: imagine-se que diacho de futuro celebrará um dia, sem o Chico, a velhice do Alexandre Frota, este que já não acerta sequer a conta daquilo que o outro canta, puxa vida, como ninguém.