OPINIÃO

Piadas infelizes

Publicado em 19 de setembro de 2004

O Fernando Henrique fez uma piada no começo do seu governo (aquela do “esqueçam tudo que eu escrevi”) que o perseguiu durante oito anos. Era apenas uma piada simpaticamente autodepreciativa, pelo menos para quem estivesse disposto a entendê-la assim. Queria dizer que nenhum membro da classe teórica passa à prática sem sacrificar algumas certezas acadêmicas e que com ele não seria diferente. Mas quem já não tinha muita boa vontade com o sociólogo de esquerda virado político neoliberal tomou a frase como uma confissão pública de cinismo. Fernando Henrique continuou fazendo frases, boas e ruins, durante todo o seu mandato, o que significa que não aprendeu o que deveria ser a primeira regra para orações presidenciais: não improvisar. Se tiver que improvisar, não fazer piadas. Se quiser fazer piadas, treinar o improviso com bastante antecedência. Nunca é demais enfatizar a importância, para uma presidência estável e para a tranqüilidade geral da nação, da espontaneidade bem ensaiada.

Seria impossível aplicar a regra no caso do Lula, que gosta de improvisar e que em dois anos já superou a marca total do Fernando Henrique na modalidade piada infeliz sem barreiras. A esta altura – até porque ele não pára – já deveria existir uma certa resignação entediada na imprensa com as piadas sem preparação prévia, revisão, teste de público, redação final e aprovação pela sua assessoria de comunicação, do Lula. Todo o mundo conhece o seu jeito e sabe que ele nunca vai se enquadrar em qualquer padrão de cautela verbal. Mas repete-se a mesma reação a cada nova frase impensada e “a última do Lula” já se tornou quase uma seção fixa dos jornais. Isso quando não se sugere que a espontaneidade não é assim tão sem ensaio, que a frase foi pensada e é uma mensagem sombria: o Lula sonharia, mesmo, em ficar no poder tanto quanto um ditador africano, acha mesmo jornalista covarde etc. O Fernando Henrique sobreviveu aos seus improvisos porque nunca se identificou neles mais do que um deslize, lamentável ou apenas incongruente, tratando-se de um homem “preparado”. No caso de Lula, parece haver a preocupação de enfatizar seu despreparo, na espreita da piada tão infeliz, tão infeliz, que acabe numa crise política ou institucional.

Agora, que ele poderia pensar duas vezes, ou três, ou quatro, antes de fazer a piada, poderia.

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