OPINIÃO

A saga do silencioso sentido IV

Publicado em 7 de maio de 2005

Foi uma noite profunda. Deve ser assim o sono da morte. Abri os olhos e doeu abrir os olhos. Uma luz quente mostrava uns panos num tom que tinha a maior cara do que eu sempre pensei que fosse a cor azul. Não é que eram minhas cortinas? As cortinas do meu quarto, Mãe do céu!
Olhei para a cabeceira e tinha umas fotos de um casal feliz-no-bondinho, feliz-no-corcovado, feliz-no-pão-de-açúcar. Não é que eram Luzia e Raimundo?
Nossa! Como ele era lindo, alto, lindo de morrer! Lá estava ele: Rai.
Doía muito olhar assim pela primeira vez. Era a primeira vez que eu via Mundo.
Tive coragem e resolvi olhar pela primeira vez por onde andar. Gostei da minha casa.
Todo mundo geralmente se conhece primeiro por fora e depois por dentro. Comigo não, por dentro eu era uma velha conhecida minha e por fora acabara de me ver rapidamente por fotografias. Agora estava prestes a ser apresentada a mim, no espelho, pela primeira vez ao vivo e a cores.
Cheguei à penteadeira. É. Eu não era de se jogar fora. Também não era maravilhosa como Raimundo dizia. Mas era bom que tivesse calma, ainda não tinha visto os outros.
Passei horas talvez, brincando comigo, me imitando, fazendo caretas pra mim, me beijando na superfície lisa do espelho. Nascer é assim, pensei.
Fui com minha cara. Re-Luzia.
Tomei mais animação do que coragem e fui até a janela. Olhei o dia.
De agora em diante só numa parte dele chegaria a noite. Nunca mais seria noite o dia todo.
Olhei pra cima. Doeu um pouco dobrar o pescoço desacostumado a céus.
Do céu caía excelente e nova água. Era temporal. O meu temporal, meu Deus!

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