I
As lágrimas saltam entre o pincel e os olhos.
Meus olhos estão para naufrágios
e não para maquilagens hoje.
Insisto.
Não se pode devolver os ingressos porque o artista está triste.
Me avisam em catalão duro que vão abrir portas ao público.
Todo dia o fazem igual mas hoje tinha um soar de sentença
e meus olhos desabam sem avisar,
quero o colo do meu filho
meu povo
meu amor
meu quintal e sua tarde
meus amigos
minha língua
minha terra natal, mas agora, antes, muito antes do Natal.
Lavo os olhos o rosto todo. Pareço convencer às lagrimas a mudarem seu curso. Negociei: Prometo-lhes um travesseiro macio noturno quando a cortina da segunda sessão se fechar!
Meu pai
minha irmã
meus irmãos, onde estarão?
Minha mãe onde estará?
Cadê consolo? Não há!
Encosto a tristeza no canto da alma,
melancolia não dá pra pintar.
Pinto os lábios, refaço o traço delineador dos olhos,
me esforço pra não mais chorar, não posso, não POSSO!
Ouço o burbu-rinho animado das gentes,
Daqui do camarim a música das conversas me diz que é casa cheia.
Deus, dá para me dar um público especial,
uma gente que também me leve em seus braços
que queira, tope e saiba jogar?
Que me acolha me confirme e desfrute do brincar,
preciso brincar…
Dá Deus pra dar?
Terceiro sinal: “Benvingut visitant…”
Vou.
II
Volto ao camarim cinqüenta minutos depois sob aplausos longos e gritos quentes de gratidão pelo que celebramos ali.
Bendita tarde essa.
Lavei de vez minha tristeza acionada pela lágrima da emoção,
sublime emoção da alegria.
Nunca fiz um espetáculo aqui com tanta, mas tanta enxaqueca de alma,
uma coisa no peito que tanto dentro dele sangrasse e ardesse
E nunca fiz um tão belo como esse.
III
É assim um pasto fértil depois da chuva o coração desabafado da gente.
É humano e é lindo!!
Ah, meu Deus
se mesmo ao doer ilumino,
é porque Deus me deu,
não o público só especial que eu pedi,
mas o que deu
deu divino.
Barcelona, 10 de julho desamparo 2005