Pode soar como auto-comiseração ou inconsistência, mas a verdade é que não sou sujeito dos mais criativos. Tudo o que fiz, em letra e música, até hoje, me custou um bocado de tempo, suor, trabalho, muita folha amassada e muita idéia abandonada pela metade. Sou bem menos do tipo genial, é o que quero dizer, do que do tipo disposto ao longo prazo. Se me derem tempo, aprofundo e construo um bom trabalho – na publicidade, evidentemente, estaria frito.
O resultado é que minha produção artística é relativamente pequena para uma estrada já bastante longa. Outro resultado, também, é que quando estou há mais de um ano prometendo fechar o repertório para um disco novo, sem que isso aconteça de fato, o pessoal começa a ficar meio nervoso. A gravadora quer gravar, o produtor quer produzir, os músicos querem tocar – e o cara não aparece com o trabalho. Quando essa delonga já vai para quase dois anos, como é o caso de agora, tanto pior, neguinho já começa a pedir a minha cabeça numa bandeja.
Esse vasto introdutório é para dizer que estou intimado a entrar 2006 concentrado na música, deixando todo o resto de lado, e que nesse todo se vai também a atividade de cronista. Já me despedi da Zero Hora, onde estive quinzenalmente nos últimos tempos, e agora chega esse momento mais difícil. Aqui no Extra Classe foram quase seis anos de escritura, é mole? Dava para juntar e fazer um livro – aliás, quero fazer exatamente isso, em breve. Depurando algumas coisas datadas e outras menos inspiradas, dá até para entender como muitos de vocês, ao vivo ou por mail, corajosamente se confessaram meus leitores.
Quando comecei no EC, convidado na época pelo Flávio Ilha, andava enferrujado, sem escrever e sem compor, mais para o trabalho técnico de um birô de editoração. Foi o EC quem me recarregou a pilha, e, durante esses anos, pela mão do Jimi Joe, do César Fraga – e sempre da Valéria Ochôa –, vi o jornal crescer e iluminar-se ao mesmo tempo em que eu retomava o trabalho criativo por vários lados, como cronista, como compositor que lançou novos CDs, e até estreando como pai. Não deixa de ser uma ironia: aquilo que o escrever despertou agora lhe pede que saia de cena, para tomar seu tempo.
Enfim, a saudade vai ser minha, e o EC com certeza vai estar sempre melhor e não faltarão grandes cabeças para ocupar esta coluna e me condenar ao esquecimento, chuifi. Por via das dúvidas, vou continuar mandando um mail aqui e ali, quem sabe o Ricardo Machado se confunde e me devolve uma daquelas suas bárbaras ilustrações! E fiquem atentos para uma carta de leitor, anônima, a confessar o vazio que sobre ele se abate todo final de mês, em que mira as teclas do seu computador e entoa “Tu me acostumbraste…”.