É de tarde.
Eu vejo no cinema dos olhos,
na tela da miragem do tempo que alinha
as conjugações:
é minha mãe com cinco anos
de vestidinho de chita
e uma bonequinha na mão.
Espera meu avô na estação.
Dá pra ver o trem passar da janela.
A menina, que depois seria minha mãe, espera…
ele, que tinha deixado de ser o
homem de minha avó,
e minha mãe rezava para
que não deixasse de ser
também o pai dela.
Mas os sonhos têm
seus autônomos
trilhos,
sua imprevisível
malha.
Naquele momento, na outra
ponta da estrada de ferro,
no perigo das caldeiras,
trabalha o menino
Lino lindo,
com dez anos de idade no meio
da fumaceira,
nutrindo o sonho de ser doutor.
Em busca do amor e do pão migram os seres.
Quinze anos depois,
esse homem estampou de palavras, promessas e beijos
o coração dela na tarde ensolarada da estação.
No meio da viagem em busca do sonho
se encontraram e se amaram um amor de arrepiar
o coreto das probabilidades,
e de sustentar a densa cabeleira enorme do destino
que o desejo teceria.
Trago esta memória minha que parece memória
filmada, fotografada;
porque eu digo minha mas é memória herdada.
Por causa do trem meu pai encontrou minha mãe
e zombou da distância entre Vitória e Minas,
entre Espírito Santo e Bahia.
Por causa do amor e suas coragens nasci da música
dessa passagem,
nasci da trilha dessa paisagem que agora canto,
e é de tarde.