Em poucos minutos, uma cabeça jovem vai se deteriorando. Os cabelos embranquecem e caem, a pele fica enrugada e se solta do osso, e surge a caveira descarnada. Isto é uma cena de horror. A mesma coisa acontece, mas em muitos anos em vez de poucos minutos. Exatamente o mesmo processo, com uma única diferença: a sua duração. Isto se chama vida. O primeiro caso é excepcional e – seja ele obra do Demônio ou do departamento de efeitos especiais – aterrorizante. O segundo caso é natural, acontece com todos nós. Seu terror é diluído pelo tempo e atenuado pelo corriqueiro.
Um ato de violência escandaliza, uma rotina de violência banaliza. A rotina da miséria brasileira acaba se integrando no cotidiano, se funde com a paisagem e desaparece no nosso relativismo moral. É lamentável, e lamentada em todos os discursos e programas de governo, mas não é aterrorizante, pois quem pode viver em estado permanente de horror? E, no entanto, só o que diferencia a violência de uma invasão de terras da violência constante, rotineira, banalizada, que a situação fundiária do país impõe aos sem-terra é o tempo. Uma é uma quebra de normalidade, a outra é a normalidade. As duas são reprováveis, mas a segunda é absolvida pela indiferença. Não tem o mesmo efeito espetacular, o mesmo horror concentrado.
Isto não é uma justificativa para atos de violência como alguns praticados pelos que lutam pela reforma agrária, mesmo porque a violência sempre acaba favorecendo a reação. É só um comentário sobre o escândalo seletivo de quem demoniza os sem-terra mas não se horroriza com a violência diária, antiga, arraigada nos seus costumes e valores, praticada pela sociedade mais injusta do mundo. Ou só se horroriza com a retribuição.