OPINIÃO

Ciclo de palavras

Por Fraga / Publicado em 23 de setembro de 2006

Em solilóquios ou diálogos, é líquido e certo: córregos tatibitates, riachos silábicos, cachoeiras do palavreado, lagos e lagoas de expressões, rios de frases, tudo flui para o oceano da comunicação. A Terra é oral.

O que da língua escorre, deságua no recôndito onde nada é dito – o permeável solo do silêncio. Ali se infiltra, se represa. E dá início a profundos mananciais vocabulares. Origem de todos os cursos subterrâneos da linguagem, que vão aflorar onde houver escuta.

Em declarações, discursos, debates. Fontes de poesia. Banhados de lero-leros, nhenhenhéns, blablablás. Em explicações, explanações, exposições, que começam úmidas e terminam secas. Em pororocas de fofocas. Marulhos e murmúrios de mãos em concha e conchas em mãos. Profusão de prosa em polvorosa no preamar de amar. Em correntezas a arrancar troncos etimológicos dos barrancos do idioma.

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Ilustração: Edgar Vasques

Ilustração: Edgar Vasques

E faz-se imensa bacia, braços de caudalosas conversas e afluentes influentes – apartes, peraís, senões, tudo aos borbotões. Que se espraiam pelas praias áridas da palestra, do pronunciamento, da preleção. Irrigam as margens ácidas das réplicas e das tréplicas.

Então, da torrencial oratória erudita ao encharcado disse-me-disse, de tudo o mais que soa e ecoa, muito se evapora. Do calor da discussão e afogueamento das idéias, moléculas minúsculas, evaporadas de sentido, sobem aos céus da desatenção, ocupam o horizonte do esquecimento.

Assim, formam-se nuvens verbais e proverbiais. São acúmulos de súmulas e símiles, gotículas de questiúnculas, volumosos vestígios de verve. Se adensam, quase pensam. Pesadas de prosódia, desabam seu desabafo.

É temporal de imperativos, aguaceiro de interjeições, guasqueada de fonemas ásperos ou loas à toa. Pode jorrar jarros de juras. Nos alagar no alarido. A renovação da falação.

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