Se existisse, o museu de história natural da palavra poderia ser um prédio erguido com milhares de pedras de roseta. Seu frontispício, amparado em pilastras de palestras, um convite ao passado da linguagem. Lá dentro, antes de se perder em meio aos antiguíssimos significados reunidos, o olhar sobe pelas paredes, recobertas por placas de escrita cuneiforme. Você circula por entre sinais seculares, pistas vocabulares, pisando nos rastros, distraído.
A primeira estupefação é no saguão. Restos de um gigantesco palavrão pré-histórico, reconstituídos, sustentados por uma estrutura linguística. Há, inteligíveis, um R com serifas graúdas, um F fragmentado, mais um G com firulas, singulares na sua aspereza. Não existem vogais. A placa de orientação informa que o sentido gutural está por ser descoberto. Nota-se, no rosto da guia, um rubor diante de tamanho calão.
Em seguida, após as múmias da dinastia dos imperativos, na ala dos enigmas dialéticos, uma atração intrigante: os restos da última refeição de uma esfinge. O que chama atenção não são os ossos triturados, mas os pontos de interrogação, cada um mais incisivo que o outro. Fina camada de dúvida recobre tudo.
Enquanto se avança para novos impactos, se esbarra em sutilezas – palimpsestos dislálicos, pangrans reduzidíssimos, palíndromos em línguas mortas. Um labirinto conceitual obriga os visitantes a recorrerem a bússolas retóricas.
E mais assombros: na galeria de excentricidades exploratórias, a coleção de cordas vocais de tribos tartamudas. Os estudos dos calos da etnia indicam serem os ancestrais do costume de gaguejar. E ao lado, o êxtase: sob o sol, uma abóbada de âmbar incrustada de grupos consonantais faz jorrar raios de incompreensão. Ali, pessoas se entretêm, tentam decifrar grunhidos. Aliás,é o método científico para catalogar as insuficiências da expressão primitiva.
Antes da saída, a surpresa final. Como num hall retrô, uma caverna rupestre. Não se pode passar as mãos nas paredes mas você vê em close as ranhuras fricativas. Amostras do efeito da pronúncia rudimentar, em eras primevas: marcas de urros e rugidos humanos na argila. Impressões monovocálicas que sugerem a aurora da oralidade!
O passeio acaba. Somente aí seu queixo escapa da inércia, solta alguma exclamação. Não chega a ser uma contribuição ao acervo do museu de história natural da palavra. É, digamos, uma homenagem.