Você deve crer de algum modo nas palavras. É natural dar credibilidade aos termos que saem pela boca, entram pelos olhos e ouvidos. Senão, seria a potencialização da desconfiança a cada sílaba. Agora, pressupor um poder maior das palavras, uma força além da essência vocabular, aí já roça o sobrenatural. Mas é o que a humanidade tem feito através dos tempos, mundo afora. Crenças inacreditáveis que chegaram até aqui e, pra não interromper seu curso rumo à sacralização da bobagem, arrolo algumas.
Na pré-história, para fugir do pavor, era comum a tribo repetir em rituais o último grito do caçador estraçalhado por uma fera. Por isso, até hoje se usam as palavras cuidado e atenção, com o mesmo e inútil propósito.
Para afastar o olho-grande, abastados povos antigos rabiscavam sinais de til e cedilha no rosto, o que não produzia efeito nenhum, pois o alfabeto nem havia sido inventado ainda.
Na Idade Média, para proteger o lar, as famílias cultas escreviam a palavra ferradura na soleira da porta, um aviso para não introduzir cavalos na casa. Ao saber disso, os analfabetos passaram a pregar o objeto no lugar, o que não impedia da estupidez humana adentrar ao recinto.
Séculos atrás, era costume enterrar os mortos com uma moeda em cada olho, para garantir a passagem daqui pra não sei onde. Para não desfavorecer os despossuídos, surgiu o hábito de depositar um papel dobradinho sobre cada pálpebra, onde se lia: “Vale 5 dinheiros”, ou quantia equivalente.
Soluços intermitentes eram, dizem, aliviados com a inscrição de um hic! na testa da pessoa. Um dia, ao limpar o local para a onomatopéia, um bebê parou de soluçar exatamente na hora do contato com o algodão. Aí tradição mudou.
No passado, assassinadas buscavam justiça póstuma ao garatujar com sangue as iniciais do assassino. Na maioria dos casos, a expressão O culpado é… comprometia o prazo da denúncia, sem falar em detetives precipitados, que a tomavam como um indício óbvio contra mordomos.
Já foi moda tatuar Amor de mãe no braço ou no peito, pois evocava a segurança do colo. Quando Simone de Beauvoir abalou o conceito de instinto materno, os tatuadores adotaram Deus é pai, que consola até os filhos de mães solteiras e faz lóbi com os envagélicos.
Para elevar o astral nos negócios, hoje há quem use escapulários, com uma combinação fervorosa de letras e números, como Quero meus 10%, ou cifra maior.