Diziam que o que sustentava o Partido Comunista americano eram as mensalidades dos agentes do FBI infiltrados entre os seus membros. Era fácil identificá-los – só eles pagavam em dia. O fato é que, mesmo no auge da Guerra Fria, o Partido Comunista americano não apenas se manteve vivo como nunca deixou de ter candidatos à presidência da República, embora quase ninguém na República soubesse disso. Sua participação nas eleições só ganhou alguma notoriedade quando Angela Davis entrou na chapa como candidata a vicepresidente. Foi a única vez que os comunistas se destacaram de outros partidos mais ou menos exóticos que regularmente concorrem à presidência daquele país e ganharam mais do que um traço nas pesquisas. A personalidade de Angela, que tinha seguidores no meio universitário e aparecia na grande imprensa com seu penteado e seu discurso radicais, foi responsável por isto. E, portanto, teoricamente Angela Davis – já que nunca saberemos qual seria o desdobramento político do movimento liderado por Martin Luther King – foi o mais próximo que um negro jamais chegou da presidência dos Estados Unidos.
A importância do feito de Barack Obama ao se tornar candidato de um dos dois partidos que monopolizam o acesso à presidência americana se mede pela distância entre a candidatura quixotesca de Angela Davis a uma vicepresidência inconcebível e a sua. Obama não é uma versão domesticada de Angela Davis, nem um sucedâneo mais palatável de Martin Luther King, nem um “negro de alma branca”, conforme o insulto que passa por elogio no Brasil. A distância entre o seu sucesso político de hoje e os preconceitos e ódios que o impediriam 30 anos atrás é significativa, e é admirável. A mãe branca, o sorriso simpático e a retórica empolgante não explicam tudo, alguma coisa mudou no espírito do país nesses 30 anos para que este negro chegasse lá. Que vem aí um “backlash”, um contra-ataque retrógrado, além do natural embate eleitoral com os republicanos, ninguém duvida. Mas seja qual for o futuro da candidatura de Obama daqui para frente, o bem já está feito.
O que Obama faria na presidência é um mistério. Li no New York Times que as companhias de seguro e previdência privada, as maiores interessadas em que os Estados Unidos continuem sendo o único grande país industrializado sem um sistema universal de saúde pública, deu mais dinheiro para a campanha dele do que para Hillary e McCain. Hmmm. Os grandes apostadores costumam saber mais do que a gente.