Capitalismo em crise
Em entrevista concedida ao site, na internet, Sin Permiso (www.sinpermiso.info), o historiador britânico Eric Hobsbawm fala sobre esse renascimento do interesse por Marx. Ele relata uma conversa que teve com o megainvestidor George Soros. “Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz”, disse Soros a Hobsbawm. Não chega a ser surpreendente, diz Hobsbawm, que “os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam”. E Marx, assinala, previu a natureza da economia mundial no início do século 21, com base na análise da “sociedade burguesa”, 150 anos antes.
O fracasso da teologia do livre mercado
A atual crise financeira mundial, que pode transformar-se em uma grande depressão econômica nos EUA, diz ainda o historiador britânico, “dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo norte-americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta”. As previsões sobre o fim da história e sobre o triunfo definitivo do capitalismo feitas por Francis Fukuyama revelaram-se totalmente fajutas. Hobsbawm ironiza essa previsão e propõe uma linha de abordagem para o retorno à leitura de Marx:
” As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno de uma globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado, já coloca problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer retorno a Marx será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas autogeradas com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre”.
A hora da política
Ao falar na abertura da 63ª Assembléia Geral da ONU, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ecoou a análise de Stiglitz: “As indispensáveis intervenções do Estado, contrariando os fundamentalistas do mercado, mostram que é chegada a hora da política. Somente a ação determinada dos governantes, em especial naqueles países que estão no centro da crise, será capaz de combater a desordem que se instalou nas finanças internacionais, com efeitos perversos na vida cotidiana de milhões de pessoas”.
Em resumo, o Estado deixou de ser vilão e voltou a ser visto como tábua de salvação. Resta ver quem serão os socorridos: os especuladores que engendraram a crise ou os pobres mortais que sentirão os efeitos desse terremoto na vida real.
A queda do muro fundamentalista
Na mesma linha de Hobsbawm, o prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, diz que a crise financeira que atingiu Wall Street e os mercados financeiros de todo o mundo equivale, para o fundamentalismo de mercado, ao que foi a queda do Muro de Berlim para o comunismo. “Ela diz ao mundo que esse modelo não funciona. Esse momento assinala que as declarações do mercado financeiro em defesa da liberalização eram falsas”.
Ao falar sobre o real da economia norteamericana, Stiglitz não doura a pílula: “Estamos nos afogando. Se observarmos a desigualdade, que é a maior desde a Grande Depressão, o problema é sério. Se observarmos o estancamento dos salários, o problemaé sério. A maior parte do crescimento econômico dos últimos cinco anos baseava-se em uma bolha do setor imobiliário, que agora estourou. E os frutos desse crescimento não foram repartidos amplamente. Em resumo, os fundamentos não são bons”.
O programa da globalização, recorda Stiglitz, esteve estreitamente ligado aos princípios teológicos dos fundamentalistas do mercado: a ideologia dos mercados livres e da liberalização financeira. “Nesta crise, observamos que as instituições da economia mais baseada no mercado vieram abaixo e correram a pedir a ajuda do Estado”.