O filme Spartacus, sobre a revolta de escravos que ameaçou o império romano, foi dirigido por Stanley Kubrick, mas o projeto não era dele. Kubrick foi chamado quando as filmagens já tinham começado, sob direção do Anthony Mann, que desistiu. Assim, embora não o envergonhasse, Spartacus não era um filme kubrickiano. Cabem a Howard Fast, autor do livro em que se baseou o roteiro, e a “Sam Jackson”, autor do roteiro, as palmas pelo maior mérito de Spartacus, que é o de ser um dos melhores filmes políticos de todos os tempos. “Sam Jackson” era o pseudônimo de Dalton Trumbo, uma das vítimas do macartismo que não podiam trabalhar sob o seu próprio nome. Além de ser uma epopeia libertária, o Spartacus de Fast e Trumbo é também uma sutil reflexão sobre o poder na Roma antiga, e o poder desde então.
As duas forças em confronto no coração do império são representadas no filme pelo aristocrata Crassius, ou Lawrence Olivier, e o populista Gracchus, Charles Laughton, que só têm em comum o fato de serem membros do mesmo patriciado. É a gente como Gracchus e Crassius que o Júlio César do Shakespeare se refere quando diz que prefere estar rodeado por homens gordos que dormem bem a magros que pensam demais. O Crassius de Lawrence Olivier é a personificação da autoproclamada virtude cívica da sua casta, destinada desde o berço a impedir que sua Roma idealizada seja conspurcada pela ralé. Para Crassius, a maior ameaça da revolta dos escravos é o seu exemplo. Se a ideia de insubordinação for contagiosa, nada salva o poder da sua classe. Crassius também é a personificação dos magros dissimulados temidos pelo Júlio César de Shakespeare. Já na barriga e na cara do Charles Laughton está toda a decadência de Roma, mas sua corrupção o humaniza e sua oposição a tudo que Crassius representa o enobrece. No fim, é a ajuda do devasso Gracchus que salva a mulher e o filho de Spartacus da morte. Gracchus se suicida, Crassius vence o confronto e sua classe mantém o poder. E Spartacus é crucificado, mas o exemplo não morre com ele.
Através da história, os magros e os gordos têm se enfrentado com diferentes disfarces, Gracchus e Crassius com outras caras. Os “magros” nem sempre são magros e os “gordos” nem sempre são gordos, mas as oposições se repetem. Autoritarismo contra transigência, moralismo contra deixa-pra-láismo e a questão antiga como Roma: a corrupção pode ser um mal menor, comparada com as más intenções que a virtude muitas vezes esconde?
INJUSTIÇA – Acho que estão sendo injustos com o ex-bispo Lugo, presidente do Paraguai. Ele aparentemente seguiu fielmente o preceito da Igreja que proíbe o uso de camisinha.