OPINIÃO

Os otários necessários

Por Luis Fernando Verissimo / Publicado em 12 de novembro de 2009

Os otários necessário por Ricardo Machado

Foto: Ricardo Machado

Foto: Ricardo Machado

Gosto de repetir a frase de um personagem do John Le Carré que diz que ama a hipocrisia porque é o mais próximo que o homem jamais chegará da virtude. Não é a frase de um moralista desencantado, que odiaria qualquer substituto da virtude, ou de um cético terminal, que não amaria a virtude nem fantasiada.

É a frase de quem acha que moral de mentira é melhor do que moral nenhuma. Que concorda que, se Deus não existe, tudo é permitido – para citar outro personagem literário – mas acrescenta: inclusive viver como se Deus existisse.

O Nelson Rodrigues atualizou a frase do Dostoievski, e no meio de uma suruba federal (acho que a peça é do tempo em que o Rio ainda era a capital do Brasil, uma capital da qual ninguém fugia nos fins de semana) um dos seus personagens grita “se Vinicius de Moraes existe, tudo é permitido!”. Mas nem a ausência de Deus ou a doce devassidão dos poetas vence a necessidade de fingir que vivemos num universo moral, portanto de sermos hipócritas praticantes.

A frase sobre o amor à hipocrisia poderia ser de qualquer brasileiro decidido a resistir à desesperança e ao cinismo, por mais que o provoquem.

Não somos otários, como pensam. Somos hipócritas. Isto é, otários conscientes, otários assumidos, otários porque o contrário seria sucumbir ao amoralismo dos outros. Otários porque alguém neste país tem que fingir que é virtuoso. Para que a hipocrisia funcione e nos salve do caos é preciso que a maioria faça seu papel: de otários.

Nenhum brasileiro tem dúvidas de que é logrado em tudo, e não só no balcão da farmácia. A política que lhe vendem há anos também é para otários.

Essa elite é essa elite porque há anos logra os otários, ela não existiria se os otários não estivessem compenetrados no seu papel. Aqui ninguém é otário por ingenuidade, é tudo simulação, tudo estratégia. São os otários que sustentam a República. No Brasil, a hipocrisia é uma forma de patriotismo.

 

Luis Fernando Verissimo colabora mensalmente com o Extra Classe desde 1996.

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